Por Enio Squeff, artista plástico, jornalista e escritor, Facebook –
Um amigo, em meu facebook, afirma que Lula não merece se transformar num mito, como Antônio Conselheiro. Concordo: Antônio Conselheiro foi um religioso. Lula nunca misturou religião com política. E isso faz toda a diferença. Mas e os mitos? Esses nascem com o tempo, independentemente de suas vontades ou dos ofício que exerçam. Cristo foi marceneiro, e morreu humilhado numa cruz. Querem algo mais do que mítico que sua trajetória histórica? Sem comparações, por favor, nada mais natural, que Lula, agora preso, seja mais mitificado que antes. Meu amigo parece não ter entendido isso, e a discussão ficou por aí.
Mas se é verdade que se o impacto da prisão de Lula tende a esmorecer com o tempo, cada gesto da Justiça, do Executivo ou do Legislativo rumo ao desastre inevitável ( fala-se “de economia estúpido” para parafrasear Bill Clinton), ensaia transformar a solitária de Curitiba numa espécie de santuário: a juíza, amiga do Moro, que proíbe visitas ao ex-presidente, deveria atentar para os insultos dirigidos ao procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, da Lava Jato, num voo recente da Gol. Talvez lhe ocorra que só está alimentando o mito, se é que sua inteligência seja maior que seu fanatismo.
Conheci Lula pessoalmente. Foi num almoço na “Folha”. À época eu fazia parte da equipe de editorialistas comandadas por Cláudio Abramo. O sr. Frias, já falecido, queria saber do homem famoso que se transformara num sindicalista singular. E aconteceu um incidente que, se não se tornou o mote para a atual posição dos sucessores de Frias na “Folha”, deve explicar em parte o antagonismo inescapável que separa o jornal do ex-presidente.
Aconteceu quando o sr. Frias, em pleno almoço, começou a insistir para que Lula se definisse ideologicamente “Você é socialista”? perguntou. Lula alegou que a questão não se referia a sua posição política genérica, mas ao que fazer como sindicalista em plena ditadura. Frias insistiu: “Mas você é socialista ou não é?”. Lula com seu jeito despachado, olhou para mim (eu estava ao lado do dono da “Folha”), piscou-me e respondeu jocoso”: Está bem, Frias, se você está tão interessado nisso, então, tá bom, sou socialista.”
Sem querer, comecei a rir, o que provocou a ira do sr. Frias. É que em meio à quase gargalhada, inadvertidamente, bati com minha perna na sua e ele a interpretou como uma espécie de advertência. E começou a me desancar:”Por que é que você está batendo na minha perna, é para me impedir que eu lhe faça perguntas? Desatei a rir mais ainda, dizendo-lhe o óbvio: como poderia censurá-lo, eu, um simples editorialista, não mais que um jornalista da casa: “Desculpe sr. Frias, foi sem querer que eu esbarrei no senhor” Tão espontânea saiu minha justificativa – que ele, caiu em si e mudou logo de assunto”.
Era um homem inteligente: sabia ter reagido mais com o fígado do que com razão à minha gargalhada inadvertida à resposta de Lula. E pior – admitiu que sua ira ultrapassara o limite do razoável. Sem atinar, caíra na armadilha do homem que ele prejulgava um tosco.
Por outra, se não foi por este episódio que Otavinho ficou com raiva d Lula (é uma questão de classe social, por favor), foi a partir dele, do incidente, que eu, mais que todos ali presentes, comecei a me interessar pelo personagem, ou seja, quem sabe, o mito. No fundo, não muito diferente do que aconteceu com outros brasileiros.
Mais tarde, porém, houve o único e descongelado debate entre os então candidatos à presidência da República. Não havia o engessamento que a Globo impôs aos pretendentes à presidência, segundo o modelito norte-americano e que, enfim, acabou se impondo pra todo o mundo como modo de promover debates entre aspirantes a cargos majoritários. Refiro-me à tal besteira de dois minutos para uma pergunta, um para uma resposta, meio minuto para a tréplica e coisas quetais.
Se não estou enganado foi na Bandeirantes. Reuniram-se numa mesa Leonel Brizola, Lula, Ronaldo Caiado, Roberto Freire e alguns outros, mas com a ausência do então, líder nas pesquisas, o sempre pusilânime Fernando Henrique Cardoso.
Todos tinham feito suas campanhas com os recursos disponíveis. A mais notável era a de Ronaldo Caiado: ele aparecia cavalgando a rédea solta, um belo cavalo branco. Não se sabe que cabeça de jerico lhe sugeriu que como “Cavaleiro da Esperança” às avessas ( foi este o título que Luis Carlos Prestes merecera de Jorge Amado, então comunista, num livro que ainda existe), se, com isso, ele esperava arrebatar eleitores. A verdade é que a coisa não funcionava. Mas lá pelas tantas, já que todos podiam se questionar entre si, Caiado então jovem , mas sempre arrogante, perguntou a Lula, quanto tinha custado a sua campanha. Lula imperturbável respondeu-lhe na lata “Muito menos do que aquele cavalo em que você aparece montado em sua propaganda”. Ao que Brizola aduziu impiedoso- para a suprema humilhação do fazendeiro Ronaldo Caiado – “E além de tudo monta mal”. Caiado grunhiu, esperneou – mas mesmo os candidatos de direita, não contiveram a risada franca.
Resultado: FHC foi eleito. Mas Caiado recebeu menos votos que o comunista então declarado, o hoje traíra Roberto Freire. Não sei se por extensão do episódio na “Folha”ou se com a sua eleição para presidente, seguidas de seus dois mandatos – se então, para mim, Lula se me impôs. Não acho que as suas duas gestões, tenham sido perfeitas, ou sequer isentas de problemas fundamentais( como o da segurança pública que tanto ele, quanto Dilma, subestimaram). Desde então, porém, só vi o homem crescer.
Mito? pode ser. Mas nada de Antonio Conselheiro, pelo amor de Deus.