Por Walter Falceta, jornalista, no Facebook –
1) A polícia rebelada foi, desde o período pesado dos ditadores bolivianos (1964-1982), treinada por peritos em operações repressivas dos Estados Unidos. As ligações com serviços de inteligência daquele país não foram rompidas.
2) O bandido que invadiu o palácio presidencial neste domingo com uma Bíblia é Luis Fernando Camacho, um líder da extrema-direita boliviana.
Ele lidera o Comitê Pró-Santa-Cruz, um grupo mantido por empresários e latifundiários ultra-conservadores.
Não tem cargo público, mas pode ser comparado a Juan Guaidó, o auto-declarado “presidente” da Venezuela.
Começou sua ação política no Comitê Cívico Juvenil de Santa Cruz, um grupo raivoso de direita. Também faz parte de uma loja maçônica que reúne a elite de Santa Cruz de La Sierra.
Esteve aqui no Brasil pedindo ajuda para o golpe de estado contra Evo Morales. Foi recebido com gentilezas pelo chanceler Ernesto Araujo, conversou com a deputada Carla Zambelli e manteve contatos com lideranças evangélicas brasileiras.
É um camba.
3) Não é fácil explicar, mas a Bolívia é um país de várias culturas e etnias, vivendo um processo eterno de tensão. Sim, há racismo dentro do próprio país.
Grosso modo, o pessoal das terras altas (La Paz, Oruro, Potosí, Cochabamba e Chuquisaca) são “collas”.
Pando, Beni e Santa Cruz, na parte oeste do país, de terras baixas, são basicamente “cambas”.
Ainda há uma região ao sul, de Tarija, considerada a terra de chapacos e chaqueños.
O termo “colla”, utilizado para designar os habitantes do altiplano, muitas vezes carrega um significado depreciativo, embora muitos assim se designem com orgulho.
Entre os “cambas” é maior o número de descendentes de europeus ou mestiços de relações remotas com as populações indígenas da área de florestas do centro-sul do continente.
Em 2004, a Miss Bolívia era Gabriela Oviedo, de Santa Cruz.
Nas prévias do Miss Universo daquele ano, lhe perguntaram:
– Qual é o maior conceito errôneo acerca de seu país?
Ela respondeu:
– Infelizmente, as pessoas que não conhecem muito a Bolívia pensam que somos todos indígenas, como aqueles do lado oeste do país; é La Paz a imagem que reflete isso: essa gente pobre, de baixa estatura, essa gente indígena. Eu sou do outro lado do país, do lado leste, que não é frio, que é muito quente, nós somos altos e somos gente branca e sabemos inglês.
4) Depois que assumiu a presidência, em 2006, o aymará Evo Morales, do lado ocidental do país, encontrou forte oposição do Movimento Nação Camba de Libertação (MNC-L), grupo racista e separatista com sede em Santa Cruz.
Suas lideranças se identificam como “brancas” e têm origem, sobretudo, nas classes média e alta da região. Com uma doutrina de extrema-direita e anti-indígena, organizaram sistematicamente ações de ataque a pessoas e instituições que apoiavam o governo institucional.
O MNC-L formou milicianos durante anos e manteve relações com terroristas de extrema-direita da Europa e dos Estados Unidos. Também contrataram mercenários estrangeiros, alguns da antiga Iugoslávia, para promover atos de sabotagem contra o governo central.
Foram eles que realizaram o atentado terrorista ao gasoduto Brasil-Bolívia, em 2008.
O ódio que sentem de Evo Morales guarda relação de equivalência com o ódio que as elites brancas do centro-sul do Brasil nutrem pelo nordestino Lula.