Quatro vozes por um virtuose

Compartilhe:

Partiu fisicamente Lanny Gordin. Aqui três textos de fãs versados na arte: Marcelo Pinheiro, Ademir Assunção, Nirton Venancio e Wagner de Paula

Quatro recortes do pensamento livre do jovem Lanny Gordin




Por Marcelo Pinheiro, jornalista

“Deixe ver… Hum… Você pega o ‘Tarkus’, do Emerson, Lake and Palmer, e mistura com Chick Corea, Keith Jarret, mais Wayne Shorter e Herbie Hancock; põe, também, a turma do Miles Davis, mais o ‘free’, que é qualquer coisa, um gemido, passar a mão no cabelo; o ‘avant-garde’ de John Coltrane, que é uma coisa mais regrada que o free; mais música oriental, a chinesa, por exemplo; mais música de harpa, mais os ritmos brasileiros mais estranhos, mais alguns ritmos que eu crio: mais eu. Bom, tudo isso são pequenos pontos. O ‘eu’ é que completa tudo. Em música, em drinques, na vida, eu misturo tudo. Aí fica legal pacas, muito bom mesmo.”

“Eu tô consciente da importância política da minha arte. Olha, eu toco de várias maneiras. Eu mostro pro público que a música não tem preconceito. Pros jovens, enquanto eu faço umas sessões, umas canjas, quando eu toco sozinho, eu sempre falo enquanto toco. Digo que é tudo muito simples, não precisa complicar. A coisa básica é amor: na música, fora dela. Minha música é um instrumento muito forte.”

“Tem duas coisas diferentes: capacidade musical e ‘power’ de criação. Eu posso ter mais capacidade musical que o Jimi Hendrix – acho até que estudei mais que ele, que o Serginho dos Mutantes estudou mais que ele. Poder de criação é a capacidade de chegar onde se quer chegar, através da criação. Eu, Lanny, até agora, não consegui nada. O Serginho também não. Mas Jimi Hendrix conseguiu muitas coisas para o mundo. Eu também vou conseguir.”

“Um disco do Lanny? Seria bom. E aí, depois, seriam dois ou três programas do Flávio Cavalcanti e todo mundo ia dizer que era disco de louco… E acabou.”

Quatro recortes do pensamento livre do jovem Lanny Gordin aos 20 anos de idade. Relatos documentados em “O Maior Guitarrista do Brasil”, reportagem de Ricardo Vespucci publicada na edição de janeiro de 1972 da desbundada revista “O Bondinho”, com fotos de Ana Maria Sanchez.

Ave, Lanny! Obrigado por tanto. Jamais esquecerei do afterhour de seu show ao lado da PUC, naquela noite épica, em 1998.

Lanny

Por Ademir Assunção, jornalista e poeta

Algumas pessoas atravessam o Portal. E quem atravessa o Portal não volta mais. Se volta é porque não atravessou.

Lanny Gordin atravessou.

Estive três vezes com ele. No estúdio de uma TV Comunitária. No Finnegans Pub. Em uma livraria na Vila Boim.

Nas três vezes tive a nítida impressão de que ele abandonara a ilusão que todos chamam de Realidade.

Tive a impressão de que ele não via o mundo. Ele ouvia o mundo.

Tive a impressão de que ele não se interessava em ver o mundo.

Tive a impressão de que o mundo que ele ouvia era extremamente harmônico.

E que por isso criava dissonâncias com sua guitarra.

Mas sempre voltava para o mundo harmônico.

Viajava, ia longe, mas voltava.

Pelo som. Só pelo som.

Agora ele viajou de vez.

Mas suas frases continuam vibrando para os que souberem ouvir, para os que atravessaram o Portal, para os que descobriram a harmonia dissonante do mundo.

Saber aquele Lanny?

Por Nirton Venancio, cineasta, roteirista, poeta, professor de literatura e cinema

Sabe aquele disco

que o Lanny toca

– Qual?

Aquele do Caetano

– Não.

Aquele do Gil

– Não

Aquele da Gal

– Não

Aquele do Macalé

– É!

Sabe aquele Lanny?

Sabe aquele qual?

Sabe aquele Lanny qual?

Sabe aquele?

– Conversa da cantora Vange Milliet com o então pouco conhecido Chico Cesar na composição “Lanny qual?” , última faixa do disco “Vange” (Baratos Afins, 1995).

Aquele da pergunta que não quer calar, ou mais precisamente, não parar de tocar, é o guitarrista Lanny Gordin, que está em todos os discos da Tropicália, só para começar, até chegar, depois de uns interlúdios existenciais, às novas gerações da música brasileira, Zeca Baleiro, Fernanda Takai, Wanessa da Mata, Adriana Calcanhoto, Max de Castro, Rodrigo Amarante…

Lanny estava internado há um mês por causa de uma pneumonia grave, e antes de comemorar 72 anos hoje, parou de vez o coração no meio da madrugada. Há sempre uma simetria de espanto quando o arco de vir e ir da existência se fecha no mesmo dia. Como a chuva das fontes continuasse over the rainbow. E tomara que assim seja, que não sejamos apenas carcaça no final da tarde.

Qual disco de Lanny escuto agora enquanto processo mais uma perda no cenário artístico, eles tão-longe-tão-perto-de-nós? Qual, depois da faixa de Vange? “Expresso 2222”, do Gil, com Lanny e Gal, duas ausências no mesmo qual.

Pode ser uma imagem em preto e branco de 2 pessoas e calças

Foto: Acervo Jornal Estadão, estúdio da Rádio Eldorado, São Paulo, SP, 1972.

Dica do amigo do blog, Wagner de Paula:

Lanny se foi dessa pra quem sabe qual?

Pra quem não entendeu ainda o tamanho da perda, ou esqueceu-se na rolança do tempo, um link de ouvir com a mão no queixo, pra não cair …

O Bem Blogado precisa de você para melhor informar você

Há sete anos, diariamente, levamos até você as mais importantes notícias e análises sobre os principais acontecimentos.

Recentemente, reestruturamos nosso layout a fim de facilitar a leitura e o entendimento dos textos apresentados.
Para dar continuidade e manter o site no ar, com qualidade e independência, dependemos do suporte financeiro de você, leitor, uma vez que os anúncios automáticos não cobrem nossos custos.
Para colaborar faça um PIX no valor que julgar justo.

Chave do Pix: bemblogado@gmail.com

Tags

Compartilhe:

Categorias