Para tanto, o governo deveria taxar as grandes fortunas e acabar com o juro de capital próprio, entre outras medidas.
Por Camila Bezerra, compartilhado de Jornal GGN
No Brasil, a carga tributária recai sobre pessoas de carne e osso. Esta é a conclusão de Paulo Gil, diretor do Instituto Justiça Fiscal (IJF), durante o seminário Reforma Tributária para um Brasil Socialmente Justo, realizado na última quinta-feira (28).
Segundo Gil, que já foi auditor-fiscal da Receita Federal, a tributação é um instrumento de concentração de renda, riqueza e poder, fato que pode ser constatado nas isenções. Enquanto ruralistas pagam valores irrisórios de Imposto Territorial Rural (ITR) e super ricos contam com a isenção de impostos sobre helicópteros, jatinhos e iates, cabe à grande parte da população o pagamento expressivo de Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e Imposto sobre Propriedades de Veículos Automotores (IPVA).
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Tal concentração de renda acontece ainda quando empresas repassam os impostos ao consumidor final e também porque as pessoas jurídicas contam com isenção sobre lucros e dividendos. “A contribuição previdenciária o empregador transfere aos preços. Nós, que consumimos e pagamos esta carga, vamos ter quase 60% de carga sobre o consumo”, aponta o diretor do IJF.
Capital x Trabalho
O auditor ressalta que a tributação sobre a renda do trabalho é superior à aplicada sobre a renda do capital porque, na década de 1990, o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) promoveu uma reforma tributária silenciosa, em que foi criada a isenção de impostos sobre lucros e dividendos para as empresas.
Antes desta medida, a taxação sobre trabalho e capital das empresas era equilibrada. Desde então, a cobrança de impostos tem gerado cada vez mais distorções sociais.
“O proprietário de empresa, sócio, acionista, tem uma alíquota efetiva [de imposto de renda] que é o que ele paga mesmo de imposto inferior a 2%, isso é na média. O advogado também tem uma alíquota baixa porque ele é PJ”, aponta o especialista.
Lucros e dividendos
Mas a principal distorção, segundo o auditor, está na pela Lei 9.249, de 26 de dezembro de 1995, que prevê a dedução de juros de capital próprio e a isenção dos lucros ou dividendos distribuídos aos sócios e acionistas, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, domiciliadas no País ou no exterior, que representou, em 2020, uma base de incidência (não tributada) de R$ 513 bilhões.
Este benefício às empresas faz com que os ricos paguem ainda menos impostos. “Isso porque a isenção de lucros e dividendos faz com que quanto mais vai crescendo o rendimento, mais se tributa, mas não se tributa os lucros e dividendos. Quem ganha acima de 320 salários mínimos por mês tem apenas 10% da renda tributada, pois 70% dos rendimentos são isentos”, aponta Gil.
A isenção torna, ainda, a tabela do imposto de renda uma “esquisofrenia”, segundo o diretor do IJF, pois as alíquotas são progressivas para quem ganha até 40 salários mínimos, mas regressivas para os donos do capital.
Luta de classes
A correção de distorções tributárias poderia arrecadar, segundo os cálculos de Paulo Gil, R$ 351 bilhões aos cofres públicos, desde que o governo consiga onerar os super-ricos, a fim de aliviar a carga tributária para os trabalhadores e sobre o consumo.
Para tanto, o auditor da Receita sugere a taxação de grandes fortunas; determinar que a contribuição social o lucro líquido seja mais elevada para a indústria extrativa e bancos; acabar com o juro de capital próprio; entre outras ações “a depender da correlação de forças”.
Outra medida que precisa ser tomada, segundo Clair Hickmann, também auditora fiscal da Receita Federal, é o enfrentamento dos paraísos fiscais, que é o grande ralo da economia brasileira.
Para exemplificar sua tese, Clair afirmou que o País é um dos maiores exportadores de minério e soja. Mas quando um pedido é feito pela China, por exemplo, ainda que o produto seja despachado diretamente ao tigre asiático, a venda é realizada por preços mais baixos para uma subsidiária na Suíça, onde o produto é refaturado com os valores de mercado.
Para coibir este tipo comum de prática, o governo deveria elaborar um projeto de lei, a fim de viabilizar o controle contábil e fical de empresas brasileiras ou de brasileiros no exterior.