Triste país branco

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Por Ângelo Cavalcante – Economista, professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Itumbiara. 

Moise é África!




E um corpo nunca e nunca é só um corpo; é expressão viva, ativa e dinâmica no e do espaço, dos seus conteúdos sobrepostos, justapostos, contraditórios e da sua miríade de sentimentos.

Não há espaço sem corpo, sem delicadeza e potência que reflita esse mesmo espaço; corpos, ora pois, possuem juízo, memória e lembranças e daí, justamente daí, surgem impressões, razões e diálogos em efetivas condições de contar do plano infinito e que é o espaço.

Espaço que se sintetiza em corpos.

Ao fim, o corpo está, surge, depende e vive no espaço; reflete e reverbera esse mesmo espaço e esse mesmissimo espaço está entranhado, afundado, posto e eternizado nos corpos.

Um corpo se expande quando o espaço se expande; recua, retroage nos recúos espaciais; em sua constituição física traz minérios, líquidos, substâncias e sínteses advindas, todas elas, do espaço.

Corpo é espaço e espaço é corpo!

Um corpo sempre representa outros corpos; como, do mesmo modo, apresenta territórios, aliás, um corpo é, isso sim, um indecifrável território de ossos, carne e sangue.

O território, por óbvio, está na cor da pele, no sotaque, nos lábios, no nariz, nas indumentárias utilizadas, no traço dos cabelos ou nas suas múltiplas formas de expressão.

Todo corpo é mundo…

E jamais nos esqueçamos… Não há neutralidade em um corpo; sobretudo e, principalmente, se esse corpo for negro, jovem, nascido em África e tragicamente se encontrar em um cadafalso de gente pobre, mestiça, cabocla e indígena como o Brasil.

Brasil… A mais branca nação do mundo! Aliás, nunca e jamais houve país tão branco e alvo como esse!

Nunca!

Somos um flagelo, uma eterna desgraça branca que nega, repulsa e reage a tudo, absolutamente tudo, o que lhe for distinto.

Nossas diferenças são vampirescas; bebem sangue, carecem de carne juvenil e não prescindem de pagar os piores salários da América Latina.

Moise é também tempo!

Traz, em si, toda – TODA – a complexa historicidade de dor e morte do colonialismo dos séculos XVII e XVIII.

E sejamos sinceros…

Nenhuma novidade na morte de Moise…

Como em outrora, nos gloriosos tempos da escravidão, Moise, nos alembremos, trabalhou, produziu, gerou valor e não recebeu uma moeda por seus esforços; em seu justo e assegurado reclame fora, é claro, punido; tal qual no insuperável tempo da chibata, do grilhão e do pelourinho, o menino Moise fora amarrado pelos pés e mãos e açoitado impiedosamente até a morte.

Justamente ali, na orla da “cidade maravilhosa”; em um dos centros culturais e intelectuais de América Latina.

Alguns passeavam, outros contemplavam a paisagem, outros se deliciavam com refrescante água de coco enquanto Moise se convertia em pitoresco quadro de Rugendas, o pintor alemão que viveu no Brasil durante parte da escravidão e que, como ninguém, retratou o penoso e miserável cotidiano de negros escravizados.

Moise morreu! Mas o tempo não morre, o espaço não morre e as resistências seguirão!

Nós, ao fim, de novo, morremos!

 

 

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