Lembranças de uma infância coberta pelo pó do minério de ferro
Ah, Minas Gerais…
O que tem de bucólica uma paisagem coberta de pó de minério? A maior malha rodoviária do país – 16% das rodovias do Brasil em um único estado – escoa, em grande parte, o rastro da tragédia de Bento Rodrigues.
Durante a infância, nos anos oitenta, rodamos muito pelas estradas mineiras. Naquela época, a classe média não viajava de avião e o prazer secreto da família era enfiar o carro nos buracos da BR 040. Juiz de Fora, Santos Dumont, Barbacena, Conselheiro Lafaiete, Congonhas, Ouro Preto e finalmente Mariana. Algumas tradicionais paradas de viajantes ainda estão lá, alguns muitos buracos também. Me lembro de cada trecho da estrada, sempre coberta por um tom marrom que eu confundia com terra e só bem mais tarde fui entender que aquela “terra” era o pó de minério de ferro, a cor e a corrosão contínua da rodovia que liga Belo Horizonte ao Rio de Janeiro.
É de Minas que saem 67% da produção de minério de ferro do país. A riqueza que se tira dessas minas, não fica em Minas somente, mas é somada ao volume total de produção do Brasil, o terceiro maior produtor de minério de ferro no mundo. Comum como a poeira marrom que respiramos por tantos anos eram as histórias de acidentes nas minas e estradas mineiras. Minas são muitas, muitas tragédias. Nas rodas de conversa, metida entre os amigos viajantes de meu pai, ouvi vários casos. De qual novidade falamos hoje que não sabíamos antes?
A barragem que se rompeu em Bento Rodrigues, distrito de Mariana, a primeira capital de Minas Gerais, vai entrar para a história dos desastres que poderiam ter sido evitados. Bastava olhar (nem tão) para trás (assim): Itabirito, 2014; Nova Lima, 2001; Miraí, 2007. O que esses desastres têm em comum?
A Política Nacional de Segurança de Barragens é recente, de setembro de 2010. São 15 mil barragens no cadastro sob responsabilidade da Agência Nacional de Águas (ANA). Desse total de barragens, apenas 3% foram vistoriadas entre 2013 e 2014. A fiscalização dessas barragens é recente e a responsabilidade distribuída a diferentes órgãos, de acordo com seu uso – para usos múltiplos, para rejeitos industriais, para hidrelétricas e para rejeitos de mineração. Os dados do relatório podem ser conferidos nesse link:http://arquivos.ana.gov.br/cadastros/barragens/Seguranca/RSB2014.pdf
Em Inhotim, instituto de arte contemporânea em Brumadinho, a água ferruginosa dos lagos foi tingida de verde. É bonito. Mas é falso. Ou é arte. Já não sei mais se prefiro esconder a verdade corroída das minas mineiras com um verde bucólico que não existe mais.