Trump 2.0: o revivalismo americano impulsionado pela oligarquia tecnológica

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Trump 2.0 representa um experimento radical e altamente imprevisível de remodelar o poder dos EUA – um experimento com riscos profundos para o império americano

Por Bappa Sinha, Globetrotter, compartilhado de Revista Ópera




O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, durante discurso no Comitê Político de Ação Conservadora (CPAC). (Foto: White House / Flickr)

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, durante discurso no Comitê Político de Ação Conservadora (CPAC). (Foto: White House / Flickr)

Osegundo governo Trump teve um início tumultuado. Embora o atual presidente sempre tenha sido errático e quase deliberadamente imprevisível, o escopo e a magnitude das mudanças trazidas por segunda administração Trump são qualitativamente diferentes. Está em curso uma tentativa ambiciosa de reestruturar o estado americano, as Forças Armadas e suas relações com o resto do mundo. Novas tarifas são anunciadas diariamente – inclusive contra os parceiros mais próximos dos Estados Unidos, Canadá e México – e depois são retiradas, decisões controversas de política externa são tomadas e o governo dos EUA está sendo radicalmente reestruturado.

Embora a tomada de decisões controversas por Trump seja frequentemente atribuída à sua personalidade, uma estratégia mais ampla parece sustentar essas ações: uma parte da burguesia norte-americana concluiu que a dominância total americana, com controle sobre instituições globais, comércio internacional e guerras sem fim, não é mais viável. Ao invés disso, essa fração tenta reavivar a declinante da força econômica, tecnológica e militar dos EUA, enquanto se contentam com uma Guerra Fria com a China.

A oligarquia tecnológica – os grandes monopólios de tecnologia e seus proprietários bilionários – está no centro deste esforço ambicioso. Os monopólios tecnológicos passaram a desempenhar um papel cada vez mais importante na economia americana, e agora estão começando a mostrar seu poder político. A elite da tecnologia, incluindo figuras como Jeff Bezos, Mark Zuckerberg, Sundar Pichai, Tim Cook e Elon Musk, teve assentos na primeira fila na posse de Trump, evidenciando sua importância. Bilionários da tecnologia como Elon Musk, Peter Thiel, David Sacks e Marc Andreessen são personagens centrais na administração Trump, ocupando cargos-chave e posições de assessoria.

Tanto sob Trump quanto sob Biden, Washington procurou conter a ascensão tecnológica da China por meio de sanções rigorosas, especialmente na fabricação de semicondutores. A administração Biden aprovou a Lei CHIPS and Science, alocando 52 bilhões de dólares em incentivos para trazer a produção de semicondutores de volta aos EUA. No entanto, a China tem avançado significativamente no design e na fabricação de chips, minando o impacto pretendido dessas políticas. Os avanços da China na produção de celulares da Huawei com chips avançados de 7nm e do Deepseek, um modelo de IA competitivo com os principais modelos dos EUA, foram verdadeiros choques – verdadeiros “momentos Sputnik” – para a indústria tecnológica americana. Enquanto isso, os esforços dos EUA no sentido de realocar a produção de chips para o território nacional enfrentam contratempos.

A administração Trump agora parece favorecer uma política econômica mais agressiva, usando tarifas e lobby corporativo para forçar empresas estrangeiras – como a taiwanesa TSMC, a fabricante de chips mais avançada do mundo – a estabelecer fábricas dentro das fronteiras dos EUA. A crença subjacente é de que a coerção econômica, e não subsídios, restaurará a força da indústria de manufatura americana. Junto com as tarifas, há um compromisso profundo com a desregulamentação, especialmente no que diz respeito à segurança em IA e às preocupações ambientais. A crença é de que avanços espetaculares em IA, apoiados por investimentos maciços em hardware e em data centers, energia barata e a redução das capacidades tecnológicas da China por meio de sanções, permitirão que os EUA ampliem sua vantagem tecnológica e mantenham sua posição de polo econômico.

A guerra na Ucrânia também remodelou a estratégia militar dos EUA. As expectativas iniciais de que a Rússia entraria em colapso sob as sanções ocidentais se mostraram infundadas, com Moscou emergindo mais resiliente, tanto economicamente quanto militarmente. Além disso, Rússia e China demonstraram tecnologias militares superiores em áreas como mísseis hipersônicos, sistemas de defesa aérea altamente sofisticados, caças de sexta geração e guerra de drones autônomos. A demonstração russa do mais avançado míssil Oreshnik, que se estima ser capaz de atingir uma velocidade de Mach 10 ou 12.348 km/h, e a demonstração chinesa dos seus caças furtivos de 6ª geração J36 agiram como mais um conjunto de “momentos Sputnik” para os EUA na esfera militar. Até os rebeldes iemenitas houthi conseguiram perturbar o transporte marítimo no Mar Vermelho, apesar da presença das forças navais americanas.

A guerra na Ucrânia mostrou que a dependência do exército dos EUA em “divisores de águas” caros, como porta-aviões, submarinos nucleares, bombardeiros B-52, tanques Abrams e sistemas antimísseis Patriot, tem sido amplamente ineficaz. A guerra moderna evoluiu para o uso de enxames de drones baratos, capazes de destruir armas que custam muito mais. Sistemas de próxima geração provaram ser muito mais eficazes. Os sistemas Starlink de Elon Musk mantiveram as comunicações de comando e controle do Exército ucraniano funcionando, apesar de grande parte do sistema terrestre de telecomunicações ter sido derrubado pelos russos. A empresa Palantir, de Peter Thiel, desempenhou um papel crucial nos esforços de guerra da Ucrânia. O software da Palantir, que utiliza IA para analisar imagens de satélite, dados de fonte aberta, filmagens de drones e relatórios do terreno para apresentar opções militares aos comandantes, é responsável pela maior parte do planejamento de alvos, incluindo artilharia e mísseis antitanque, pela Ucrânia.

Um elemento chave da estratégia de Trump envolve aproveitar a expertise do Vale do Silício, com proeminentes bilionários da tecnologia, como Elon Musk e Peter Thiel, e suas empresas, desempenhando papéis diretos no desenvolvimento de armas futurísticas baseadas em IA e exércitos de drones. Estes são vistos como centrais para as futuras guerras americanas.

No âmbito interno, Trump lançou um ataque total à burocracia federal. Departamentos chave, incluindo o Departamento de Educação, estão sendo alvos de extinção. Elon Musk foi incumbido de liderar o Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), que já implementou cortes profundos em várias agências. Isso tudo é impulsionado pela ideologia libertária dos aliados de Trump na indústria tecnológica, que defendem a intervenção mínima do governo nos assuntos econômicos.

Um recém-estabelecido fundo soberano de criptomoedas reforça ainda mais a inclinação libertária da administração em relação às políticas econômicas domésticas. Vários bilionários do círculo de Trump, como Peter Thiel, Elon Musk, David Sacks e Marc Andreessen, que possuem investimentos significativos em cripto, tendem a se beneficiar.

O mote geral do segundo mandato de Trump parece ser uma tentativa rápida e radical de reviver a força dos EUA diante de crescentes desafios econômicos e militares. A abordagem da administração sugere uma transição de uma ordem mundial unipolar para uma nova Guerra Fria, com a China como principal rival. As iniciativas de paz com a Rússia também podem ser motivadas por um esforço de afastar a Rússia de sua relação de “amizade sem limites” com a China.

No entanto, as políticas de Trump estão repletas de contradições e pontos cegos ideológicos. Sem primeiro construir a capacidade industrial necessária e o know-how técnico para operar uma indústria moderna prejudicada por décadas de terceirização, o uso agressivo de tarifas na esperança de recuperar a autossuficiência econômica pode ter o efeito contrário. Isso também pode alienar aliados, enfraquecendo a posição dos EUA no cenário global. Em última análise, o governo Trump 2.0 representa um experimento radical e altamente imprevisível na remodelação do poder dos EUA – um experimento que traz riscos profundos e um futuro incerto para o império americano.

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