Trump: uma guerra para a reeleição, por Atílio A. Boron

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Por Atilio A. Boron, tradução de Roberto Bitencourt da Silva, compartilhado de Jornal GGN – 

Uma das primeiras lições que ensinam em todos os cursos sobre o sistema político nos Estados Unidos é que as guerras frequentemente revertem a popularidade em declínio dos presidentes. Com uma taxa de aprovação de Donald Trump de 45% em dezembro de 2019, os “déficits gêmeos” (comerciais e fiscais) crescendo descontroladamente, bem como a dívida pública e uma ameaça de julgamento político na Câmara, contra o qual os conselheiros e assessores da Casa Branca, certamente, recomendaram ao presidente que apele ao recurso tradicional e inicie uma guerra (ou uma operação militar de alto impacto) para reconstruir a sua popularidade e colocá-lo em uma posição melhor para enfrentar as próximas eleições de novembro desse ano.

Essa seria uma hipótese plausível para explicar o imoral e sangrento ataque que acabou com a vida de Qassem Soleimani, seguramente o general mais importante do Irã. Washington informou oficialmente que a operação foi explicitamente ordenada por Trump, com a covardia que peculiariza os ocupantes da Casa Branca – fãs de bombas sendo lançadas a milhares de quilômetros da Avenida da Pensilvânia, assim como da aniquilação de inimigos ou suspeitos de terrorismo por drones, manejados por alguns jovens moral e psicologicamente perturbados de algumas cavernas de Nevada. A imprensa encarregou-se de apresentar a vítima iraniana como um terrorista sem coração, que merecia morrer daquele torpe modo.




Com essa atitude criminosa a situação no Oriente Médio fica extraordinariamente tensa, para a satisfação do regime neonazista que governa Israel, das monarquias bárbaras do Golfo Pérsico e dos dispersos gangsteres do derrotado – graças à Rússia – Estado Islâmico. O cálculo perverso é que, nos próximos dias, a popularidade do magnata de Nova York começará a subir, quando o mecanismo de propaganda dos Estados Unidos for posto em marcha para embotar, pela enésima vez, a consciência da população. Como dissemos acima, esse apelo à guerra foi rotineiramente usado na história daquele país.

Como observado no ano passado pelo ex-presidente James Carter, os Estados Unidos estiveram em guerra por 222 anos dos seus 243 anos de vida independente. Isso não é coincidência, mas é devido à nefasta crença, profundamente enraizada após três séculos de lavagem cerebral, de que os Estados Unidos são a nação que Deus colocou na terra para levar as bandeiras da liberdade, justiça, democracia e dos direitos humanos para os cantos mais remotos do planeta. Não se trata de fazer um relato das guerras iniciadas para ajudar os presidentes em perigo eleitoral, mas convém trazer à baila um caso recente que também envolve o Iraque e cujo resultado foi diferente do esperado.

Com efeito, em 1990, o presidente George H. W. Bush (Bush pai) estava com problemas diante de sua reeleição. A operação “Causa Justa”, um nome adocicado para designar a invasão criminosa do Panamá, em dezembro de 1989, não teve o resultado desejado, pois não possuía o volume, a complexidade e a duração necessária para exercer um impacto decisivo na opinião pública. Mais tarde, o Washington Post trouxe manchete na primeira página (16-X-1990) afirmando que a popularidade do presidente havia entrado em colapso, comentando que “alguns republicanos temem que o presidente se sinta forçado a iniciar hostilidades para impedir a erosão de sua popularidade”. Previsivelmente, os democratas triunfaram nas eleições intermediárias de novembro de 1990. Bush pai entendeu a mensagem e optou pelo antigo apelo: ele duplicou a presença militar dos EUA no Golfo Pérsico, mas sem declarar guerra.

Logo após a declaração de um dos principais conselheiros de Bush pai, John Sununu, dizendo, em palavras que caem como uma luva para entender a situação de hoje, que “uma guerra curta e bem-sucedida seria, politicamente falando, ouro em pó para o presidente e garantiria sua reeleição”. A invasão do Iraque no Kuwait ofereceu a Bush pai essa oportunidade: ir à guerra para “libertar” o pequeno Kuwait do jugo de seu vizinho arrogante. Em meados de janeiro de 1991, a Casa Branca lançou a operação “Tempestade no Deserto” – à qual, se associou, infelizmente para a Argentina, o governo de Carlos S. Menem – contra o Iraque, um país já devastado por sanções econômicas e políticas e por sua longa guerra com o Irã, e contra um governante, Saddam Hussein, que já havia sido demonizado pela indigesta oligarquia da mídia mundial com a imperdoável complacência das “democracias ocidentais”.

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Mas, ao contrário do esperado por seus conselheiros, Bush pai foi derrotado por Bill Clinton nas eleições de novembro de 1992. Quatro palavras resumiam a derrota: “É a economia, estúpido!”. Quem pode garantir que um resultado igual não possa se repetir desta vez? Isso, é claro, dito sem a menor esperança de que um eventual sucessor democrata do sátrapa de Nova York venha a ser mais favorável, ou menos terrível, para o futuro da humanidade. No entanto, temos certeza de que a “ordem internacional” construída pelos Estados Unidos e seus parceiros europeus exibe um estado avançado de putrefação.

Caso contrário, o silêncio cúmplice ou a condenação hipócrita, quando não a celebração aberta, dos aliados da Casa Branca e da chamada “imprensa livre”, em face de um crime perpetrado contra um alto chefe militar – não de um pretenso suspeito “terrorista” – de um país membro das Nações Unidas, sob as ordens do presidente dos Estados Unidos, em violação aberta da legalidade internacional e, inclusive, da Constituição e das leis dos EUA. Uma nova guerra aparece no horizonte, causada por Washington, invocando os pretextos habituais para encobrir suas insaciáveis ​​ambições imperiais. O “complexo industrial militar” celebra com champanhe enquanto o mundo estremece com a tragédia que se avizinha.

Atilio A. Boron – Sociólogo argentino, com doutorado em Ciência Política pela Universidade de Harvard, professor da Universidade de Buenos Aires. É autor de diversos e importantes livros.

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