Tuberculose, o mal dos séculos

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Brasil dá um passo atrás, enquanto a Organização Mundial da Saúde avança no combate à doença

O Rio de Janeiro é a capital da tuberculose no Brasil. Na Rocinha, onde ocorre o maior número de casos, o índice é igual ao de Bangladesh. (Foto de Antonio Scorza/ AFP)

A tuberculose já foi conhecida como a “doença dos poetas”, chegando a contaminar importantes escritores e romancistas da literatura brasileira e também internacional. Vista hoje erroneamente como um mal debelado, depois de ter matado precocemente literatos tísicos e exilado outros, por anos, em sanatórios, a enfermidade segue fazendo suas vítimas. Mais de 10 milhões de pessoas adoecem anualmente por tuberculose e quase 1,8 milhão delas morrem. O Brasil, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é um dos países de maior carga da doença no mundo. São 70 mil novas ocorrências anuais e mais de 4 mil mortes por ano. Se o Rio de Janeiro é a capital da tuberculose no país, a Rocinha é o epicentro da doença: 372 casos por 100 mil habitantes, taxa 11 vezes mais alta que a média nacional e índice igual ao de Bangladesh, na Índia.

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Hoje, Dia Mundial de Combate à Tuberculose, diferentes países aderiram a campanha “Light up the world for TB” (numa tradução literal, “Ilumine o mundo pela tuberculose”) e se comprometeram a iluminar de vermelho e azul pontos importantes das principais cidades mundiais. No Rio, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e seus centros de referência, o hospital Hélio Fraga, em Curicica, em Jacarepaguá, e o Observatório Tuberculose Brasil, estão engrossando a iniciativa, enquanto a Câmara de Vereadores lança a Frente Parlamentar Municipal de Tuberculose – um movimento suprapartidário. “A melhor ferramenta de combate à doença é a informação”, avalia o presidente da recém-criada entidade, o vereador Alexandre Arraes (PSDB).

O maior trunfo da doença é a certeza de que ela foi erradicada. Só que não. A tuberculose continua viva e matando indiscriminadamente. É uma doença democrática e sem preconceito de classe social: atinge ricos e pobres, homens e mulheres, especialmente aqueles no auge da idade produtiva, entre os 20 e os 40 anos. A “doenças dos poetas” perdeu seu romantismo ao longo das últimas décadas e virou, no século XXI, a “doença dos séculos”, tendo passado uma rasteira na Aids e na Malária, e matando mais do que as duas doenças juntas. Infectocontagiosa, ela é causada pelo bacilo de Koch e transmitida por via respiratória.

Doença do peito

Bárbara Fiuza, 36 anos, recebeu alta no último dia 9 de março. Ela estava cumprindo aviso prévio quando decidiu ir a um posto de saúde por conta de uma tosse persistente, acompanhada de febre. Três dias depois do diagnóstico de pneumonia, seu estado geral era ainda pior: apesar de medicada, a febre não cedia e a dor no peito era cada vez mais insuportável. Voltou ao médico e saiu com uma guia do SUS para fazer um exame de escarro. “Fiquei desesperada, porque sempre imaginei que a doença não existia mais”, lembra.

Três meses depois de iniciar o tratamento e “achar que estava no caminho da cura”, descobriu ser portadora de uma tuberculose multirresistente. “Achei que eu ia morrer”, admite Bárbara, que, nos últimos dois anos, superou os piores momentos da doença – quando chegou a tomar 11 comprimidos por dia, além do medicamento injetável – e, atualmente, virou militante em tempo integral. “Só tem um jeito de acabar com o preconceito que ronda a tuberculose: mostrando a cara”, diz ela, que transformou sua página no facebook numa plataforma para falar da doença.

Um dia, num posto de saúde, pediram para eu usar quatro máscaras, quando apenas uma é suficiente

Bárbara Fiuza
curada de tuberculose multirresistente

Está curada de uma tuberculose multirresistente, mas, pelo protocolo, terá que monitorar de perto, pelos próximos dois anos, com exames a cada seis meses. Assumir a doença não foi fácil. “Um dia, num posto de saúde, pediram para eu usar quatro máscaras, quando apenas uma é suficiente”, relata. Um exagero alimentado pela falta de informação sobre a doença, especialmente porque convivemos diariamente, sem saber, com algum tuberculoso a nossa volta. Ele pode estar no ônibus, no metrô, no avião, no ambiente de trabalho…

Apesar de benigna, tratável e virtualmente curável, no imaginário social nada mudou. “Alguns chegam a esconder a doença da própria família. Outros preferem evitar as visitas domiciliares a romper com o silêncio sobre a doença para seus vizinhos”, conta a médica e pneumologista Margareth Dalcomo, pesquisadora da Fiocruz. Não à toa, a subnotificação é um problema.

Tendo chegado aqui no século XVI, encontrou terreno fértil no Rio – uma combinação de urbanização precária e adensamento de multidões nas metrópoles, casebres minúsculos, mal ventilados e sem incidência de luz solar. Sem falar na própria geodistribuição da cidade, o que explica em parte o fato de o Rio ser recordista da doença no Brasil.

Na contramão

Antiga e resistente, a tuberculose segue avançando no país e, apesar dos indicadores preocupantes, membros da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), composta por representantes do Ministério da Saúde, dos estados e municípios, decidiram, no final de 2016, excluir a doença da lista de indicadores de saúde. O que isso significa? Que a doença saiu do radar das decisões palacianas e não passa mais a ser considerada nas definições de políticas de saúde pública. E ao deixar de ser prioridade, perde verba e relevância.  A decisão foi publicada no Diário Oficial em 24 de novembro de 2016. “É um completo absurdo”, critica Margareth, comentando que, enquanto isso, a OMS enfrenta uma batalha árdua para atingir as metas globais de redução de 90% nas mortes por tuberculose e de diminuição de 80% nos casos da doença até 2030, em comparação com 2015. E o Brasil segue célere na contramão.

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