Com aproximadamente 130 mil habitantes e 100 mil eleitores, Cubatão é um dos nove municípios da Região Metropolitana Baixada Santista. Fica no pé da Serra do Mar, a 65 km da capital paulista.
Desde 2008, é governado por uma mulher: a prefeita petista Marcia Rosa Mendonça, que venceu a eleição com 57,62% dos votos. Em 2012, se reelegeu com 55,36 %. Justamente um dos dois únicos municípios paulistas em que Dilma Rousseff venceu em 2014. Teve mais de 55% dos votos.
Em compensação, dos outros oito municípios da Baixada, quatro — Itanhaém, Mongaguá, Praia Grande e Santos — são comandados por tucanos. DEM, PMDB, PTB e PP estão à frente respectivamente de Bertioga, Guarujá, Peruíbe e São Vicente. Mas, com exceção de São Vicente, fecham com o PSDB. Fizeram até campanha para reeleger o governador Geraldo Alckmin.
Logo, não é preciso bola de cristal para saber que Marcia Rosa vive sob fogo cruzado de emplumados de todos os escalões.
Reunião realizada em 26 de agosto, no Bloco Cultural, a pedido das comunidades de Pilões e Água Fria dá uma amostra de como podem aprontar, mesmo que a população seja prejudicada.
Antes de avançar nessa armação, este parêntesis:
* Nas décadas de 1950-1970, milhares de operários foram levados pelas empreiteiras para trabalhar lá em obras do governo paulista. Inicialmente, na construção das pistas da Anchieta, depois, nas da rodovia Imigrantes.
* Em função disso, respaldadas pelo governo estadual, as empreiteiras ergueram casas para os trabalhadores em toda essa região. Depois, concluídas as estradas, muitos ficaram e constituíram famílias.
* Resultado: cerca de 20 mil pessoas moravam nos aglomerados ao longo de 60 quilômetros de encostas da Serra do Mar até Cubatão.
* Em 2008, o governo paulista lançou o programa de recuperação da Serra do Mar. Aí, José Serra iniciou e Geraldo Alckmin prosseguiu o programa habitacional da Serra do Mar. A decisão implicou remover os moradores da região e levá-los para edifícios construídos pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), do governo do Estado de São Paulo.
* A partir desse momento, os moradores, antes bem-vindos, passaram a ser considerados invasores, embora a maioria fosse remanescente da construção da Anchieta-Imigrantes.
*Até hoje, há famílias que resistem a sair do lugar, onde algumas já moram 40,50, 60 anos. Além do mais, muitos moradores, que foram para edifícios da CDHU, queixam-se de infiltração, rachaduras, falta de infraestrutura nos locais, alto valor da mensalidade, entre outros problemas. Fechando o parêntesis, voltando para armação de 26 de agosto.
“As famílias das comunidades Pilões e Água Fria estão recebendo cartinhas do governo Alckmin para deixar suas casas”, conta a prefeita Marcia Rosa. “Só que elas não querem se mudar, pois os imóveis onde vão morar não estão prontos e ninguém pode dizer com segurança quando isso vai acontecer.”
“O governador sequer escolheu a área em que serão construídos os imóveis para essas duas comunidades”, prossegue. “Em 2011, ele disse que tudo estaria pronto em 12 meses. Até agora nada.”
“Na realidade, as famílias estão sendo coagidas a sair de suas casas com base num auxílio-moradia de 300 reais do governo do Estado, que a Prefeitura complementa com mais 100 reais”, denuncia.
“Aliás, o governador tem dito que paga 400 reais de auxílio-moradia. Não é verdade. Ele paga para todo mundo 300 reais. Nós é que complementamos com mais 100. Cubatão é o único município que faz isso”, avisa a prefeita. “O problema é que, com 400 reais, você não aluga nem um quarto aqui.”
“A esta altura, os que tinham condições de pagar alguma coisa, já saíram”, observa. “Os que estão lá agora não têm condições complementar aluguel algum. São catadores de papelão, fazem bico como jardineiro…”
Em função disso, os moradores das comunidades Pilões e Água Fria pediram para conversar com a prefeita Marcia Rosa e o CDHU sobre o projeto habitacional da Serra do Mar.
Agendou-se para 26 de agosto uma reunião no Bloco Cultural com os secretários estaduais da Habitação e do Meio Ambiente, CDHU, Sabesp, Agência Metropolitana de Santos e a prefeita de Cubatão.
Com exceção de Maria Rosa, nenhum compareceu.
Para as comunidades de Pilões e Água Fria, 200 lugares seriam suficientes no auditório. O Bloco Cultural tem 220. Por precaução, colocaram-se mais 50 cadeiras.
Como as pessoas vêm de longe, a pé, a Prefeitura providenciou café, água.
Foi aí que se comprovou a armação. A reunião era apenas para as comunidades de Pilões e Água Fria. Só que membros da oposição tucana ficaram num carro de som chamando moradores de todos os projetos habitacionais construídos na região pela CDHU. São pessoas já instaladas nos edifícios – todos têm problemas! –, bem diferente da situação das famílias de Pilões e Água Fria, para os quais, insistimos, o governo Alckmin nem escolheu a área ainda.
Por essa razão, em vez das 200 pessoas previstas, cerca de mil compareceram à reunião, que durou quase seis horas. Começou às 18h e foi até perto de meia noite.
“Eu poderia ter cancelado”, expõe Marcia Rosa. “Mas não achei justo as famílias pagarem pela irresponsabilidade dos gestores ausentes e a má fé dos tucanos que convocaram todo mundo.”
“Nesse contexto, quando entrei no auditório, estava uma bagunça imensa e a oposição toda lá; a intenção deles era tumultuar, não permitir que a reunião fosse esclarecedora”, avalia. “Porém, em respeito à população, fiquei e conversei.”
De fato, algumas vezes os participantes falavam simultaneamente, outras interrompiam quem estava com a palavra, como aconteceu quando Ednei, de Pilões, expunha a sua situação.
Confira no vídeo abaixo:
Na altura do 1min 27s, a prefeita faz um apelo: “Gente, deixa eu explicar para ele poder entender!”
Na sequência, ela olha para a bandeira do Brasil e diz: “Por isso, eu não dou muito valor para ordem e progresso [a frase que está na bandeira]…Sabe por quê? Porque essa bandeira me lembra a ditadura. Eu ainda prefiro a desordem com amor e com progresso”.
O burburinho aumenta. Tucanos presentes imediatamente apontam os celulares em direção ao rosto da prefeita.
Calejada com o hábito dos tucanos de gravar trechos de suas falas e colocar nas redes sociais, Marcia Rosa levanta-se e repete: “Eu não concordo com ordem e progresso. Eu não concordo com a ditadura”.
Não deu outra. Eles fizeram um corte no vídeo de forma a ter apenas a declaração da prefeita, sem o contexto, e jogaram na internet. Confira abaixo:
Só que desta vez foram além. No sábado seguinte, 29 de agosto, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) esteve no Bloco Cultural, em Cubatão, para participar da filiação de duas pessoas. Antes da cerimônia, eles exibiram no telão o vídeo editado. Aí, detonaram Marcia Rosa, como se ela houvesse desrespeitado a bandeira do Brasil. Depois, cantaram o Hino Nacional, com a bandeira sobre a mesa.
Entre os que a atacaram, Raul Christiniano, dono do jornal O Povo, de Cubatão, e ex-diretor da CDHU e da Sabesp.
Veja o que ele diz em sua página no Facebook:
Das duas, uma. Ou Christiniano não ouviu perfeitamente o que a prefeita disse, talvez por causa do barulho, ou não entendeu direito o significado da frase dita por ela.
Marcia Rosa não falou que a frase Ordem e Progresso teria sido criada na ditadura, mas que “lembrava a época da ditadura’.
Para acabar com a dúvida, volte um pouco atrás e ouça de novo.
“Estão tripudiando em cima de um posicionamento ideológico meu. Eu não fiz nenhum ataque à bandeira. Eu apenas disse que ‘ordem e progresso’ me lembrava a ditadura”, reafirma a prefeita. “Por conta disso, a oposição tucana já está levantando assinaturas para entrar com um pedido de cassação do meu mandato.”
Não é novidade. Tudo o que acontece em Cubatão a oposição tucana ou o Ministério Público local colocam na conta de Marcia Rosa.
“O Alckmin tira as pessoas das suas casas na Serra do Mar e as coloca nos predinhos antes de construir escola e outras obras de infra-estrutura. Em consequência, as pessoas vão largando cachorro na rua”, relata. “Eu respondo ação civil pública em Cubatão por cachorro abandonado e por gravidez precoce!”
No caso do cachorro abandonado, um munícipe, “motivado” por forças escusas, protocolou pedido de cassação de Marcia Rosa na Câmara. Só que esse pedido tem que ser aceito pelo plenário da Casa para, aí, ser instaurada a comissão processante de cassação.
“A denúncia, por seus fundamentos absurdos, não poderia ser aceita, mas foi, gerando instabilidade política na cidade”, revolta-se. “E me sangrando a cada sessão e matéria veiculada na TV Tribuna, filiada à Globo.”
Desde 2012, Marcia Rosa responde a três processos de cassação.
Um deles foi porque dois funcionários públicos trocaram e-mail, dizendo: Fulano, você viu que na casa do sicrano não tinha placa da Marcia Rosa? Vamos lá colocar. Marcia Rosa nunca tinha visto um deles na vida.
Um outro porque Marcia Rosa teria usado um jornal para se promover.
“Só que o tal jornal quase não circulou em Cubatão, pois a tiragem era mínima”, esclarece. “O único que realmente circulou muito aqui é um jornal dos tucanos chamado O Povo, bancado pela CDHU e Sabesp.”
“Na verdade, o único respaldo que eu tenho é o povo”, conclui Marcia Rosa, que, como Mílton Nascimento nos Bailes da Vida, vai onde o povo está.