Tupinizando: jovem se dedica à preservação do Tupi Antigo e da identidade brasileira

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Conheça Mateus Oliveira, estudante que usa as redes sociais para resgatar aquele que já foi o idioma mais falado em território nacional – e que muita gente usa e não sabe

POR IVAN LONGO, COMPARTILHADO DA REVISTA FÓRUM




Escrito em Cultura4/10/2023 · 20:36

Tupinizando: jovem se dedica à preservação do Tupi Antigo e da identidade brasileira
O estudante Mateus Oliveira, que mantém a página. /Foto: Arquivo Pessoal

Você sabia que a palavra “mutirão” tem origem indígena? E “catupiry” “jururu” ou “pindaíba”? Essas e outras expressões são explicadas por Mateus Oliveira, um jovem estudante de Filosofia de 21 anos, natural de Nazaré Paulista (SP), que tem se destacado por seu comprometimento em preservar o Tupi Antigo, a língua mais falada no Brasil até meados do século 18, através do perfil “Tupinizando” que mantém no Instagram, YouTube e TikTok. Em uma entrevista exclusiva à Fórum, Mateus compartilhou sua jornada de descoberta e paixão pelo resgate dessa importante herança cultural.

Mutirão vem de do Tupi Antigo moty’rõ. Significa trabalho em comum, trabalho mútuo, em grupo, trabalho em grupo”, revela o estudante. 

Jururu é Tupi. Quando alguém fala,’ ah, essa pessoa aí está meio jururu’, vem do Tupi Antigo iaruru. Como virou jururu? É que o ‘i’ é separado de aruru, porque “i” significa ele. Aruru é o adjetivo ‘triste”. Iaruru: ‘ele triste’, ‘ele está triste’. Não existia o verbo ser ou estar em Tupi Antigo. Então, você só falar iaruru já significa ‘ele é triste’ ou ‘ele está triste’”, explica ainda. 

A paixão de Mateus pela linguística e pelos idiomas despertou em um momento peculiar: o início da pandemia, por volta de 2020, quando estava concluindo o ensino médio. A decisão de aprender um novo idioma o levou a uma reflexão. “Pensei, poxa, eu poderia tentar um mandarim, eu poderia tentar um italiano, sei lá, mas aqui no Brasil são faladas mais de 200 línguas nativas, e eu não sei nada de nenhuma”, conta Mateus.

A escolha de aprender um idioma nativo brasileiro surgiu como um chamado à sua própria ancestralidade. “Eu tenho relatos de ascendência indígena, tanto pelo lado materno quanto paterno. Minha família é nordestina”, explica o estudante. Seu objetivo, no entanto, ia além da genealogia.

Tupi Antigo: Língua fundamental na formação do Brasil

Tupi Antigo, escolhido por Mateus, desempenhou um papel crucial na formação do português brasileiro, contribuindo com palavras, expressões e toponímia. Foi a Língua Geral Brasileira, também chamada de Brasílica, até o final do século 18, sendo o idioma mais falado em território nacional – inclusive, mais que o português

Em 1758, entretanto, o então secretário de Estado do reino português, Marquês de Pombal, proibiu a fala e o ensino do Tupi Antigo no Brasil, instituindo a língua portuguesa como idioma oficial. Hoje em dia, oficialmente, o Tupi Antigo é considerado uma língua morta. 

“O Tupi é a língua clássica da formação do nosso povo e da nossa cultura”, afirma Mateus, comparando-a à importância do latim na construção da civilização europeia. Ele destaca como o Tupi Antigo moldou a identidade nacional. 

“O Tupi é para a gente, para a formação do povo brasileiro, o que o latim é para a civilização europeia, ou o grego. Então, eu acho que o Tupi é a nossa língua indígena clássica. É a língua que formou a nossa identidade nacional nos primeiros séculos, através das Línguas Gerais, que foram muito mais faladas que o português, até pelo menos dois séculos atrás da nossa história”, explica Mateus. 

Tupi Antigo, Nheengatu e Guarani

O Tupi Antigo ocupa um lugar único na história linguística do Brasil. O Nheengatu (considerado o Tupi Moderno), por exemplo, é um descendente direto do Tupi Antigo e ainda é falado em regiões do Amazonas e do Pará, sendo que está entre os idiomas oficiais do município de São Gabriel da Cachoeira. 

A relação entre o Nheengatu e o Tupi Antigo é semelhante à do latim e do português. Embora tenham evoluído separadamente, o Nheengatu manteve uma base sólida no Tupi Antigo, facilitando a compreensão de muitas palavras e estruturas linguísticas. Além disso, alguns povos indígenas do Nordeste, como os Potiguara, Tupinambá e Tupiniquim, estão empenhados em revitalizar o Tupi Antigo, a língua de seus antepassados.

“Mas agora tem uma outra perspectiva que são outros povos que não são da região Norte, da Amazônia, que utilizam Nheengatu, que são povos indígenas do tronco Tupi do Nordeste, como os Potiguara, os Tupinambá, os Tupiniquim: eles estão retomando, revitalizando o Tupi Antigo. Eles não estão pegando em Nheengatu, eles estão pegando o Tupi Antigo mesmo, que era o idioma que os descendentes deles falavam”, adiciona o estudante.

Em relação ao Guarani, outro idioma indígena falado, por exemplo, no Paraguai, Mateus explica que embora tenha sido semelhante com o Tupi Antigo em algum momento, eles já possuíam diferenças, como a evolução fonética de certas palavras. No entanto, todos esses idiomas compartilhavam uma base comum e eram falados pelos povos tupi que habitavam o litoral brasileiro antes da colonização.

Preservação e enriquecimento da cultura brasileira

Através do perfil “Tupinizando”, Mateus oferece conteúdo sistemático sobre o Tupi Antigo, incluindo origens de palavras, lições gramaticais e uma oportunidade única de aprender sobre essa língua ancestral que desempenhou um papel fundamental na formação do Brasil.

Ele explica: “Eu ensino como se conjuga um verbo Tupi. Como que você usa um adjetivo em Tupi. Como você qualifica um substantivo com um adjetivo em Tupi. Então é algo bem profundo, que não existia antes.”

Sobre seus estudos de Tupi Antigo, Mateus conta que, naturalmente, é mais difícil encontrar materiais se comparado aos estudos de inglês ou espanhol, por exemplo. O estudante, contudo, ressalta que, atualmente, o acesso ao conhecimento do idioma ancestral tem sido cada vez mais facilitado por conta da internet. Ele cita ainda, como referência, o trabalho de Eduardo de Almeida Navarro, professor da Universidade de São Paulo (USP), filólogo, lexicógrafo e especialista em Tupi Antigo e Nheengatu.

“Vejo com otimismo o crescimento da disponibilidade de materiais de Tupi Antigo atualmente. Hoje, por exemplo, tem o Método Moderno de Tupi Antigo, que é uma gramática do professor da USP, o Eduardo de Almeida Navarro, e que a gente não tinha antes. Hoje é bem mais fácil. Para quem estuda na USP, por exemplo, tem lá o curso de Tupi do Eduardo Navarro. Tem aulas dele no YouTube, livros. Eu mesmo estou disponibilizando agora a minha gramática”, anuncia Mateus.  

A página Tupinanzando é uma demonstração de como a cultura e a identidade brasileiras podem ser enriquecidas e preservadas através da tecnologia e do compartilhamento de conhecimento online.

“A importância deste trabalho está tanto na preservação da memória, de que esse idioma forjou a nossa cultura, quanto na revitalização dessa língua que é tão importante para nós”, sentencia o estudante. 

*O termo “Eîkobé”, usado acima do título desta matéria, significa “viva”, “salve” ou “olá” em Tupi Antigo

Assista às explicações de Mateus sobre algumas expressões de origem Tupi e curiosidades sobre o idioma 

Catinga e caatinga

Partes da árvore

Nomes próprios

Picumã 

Palavras francesas de origem Tupi

Música Tupinambá do século 16 

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