Por Ulisses Capozzoli, jornalista
Terminei, há alguns minutos, de ler a biografia de D. Pedro II, do historiador mineiro José Murilo de Carvalho, com uma sensação de tristeza e angústia. Cenas que recuam ao 5 de dezembro de 1891, com a morte dele por pneumonia, desterrado em Paris, admirado por sua cultura vasta, generosidade pessoal e defensor de liberdades que o Brasil nunca teve, antes ou depois.
O atestado de óbito assinado pelo médico Jean-Martin Charcot, psiquiatra e neurologista que abriu as portas para Sigmund Freud por seus trabalhos com hipnose. A França, a Europa e os Estados Unidos lamentando a perda de um homem notável e admirável, contraposto a um silêncio pesado no Brasil. Profundamente lamentável, tantos anos depois.
Pode parecer avanço político, a substituição da monarquia pela república. No Brasil, não foi exatamente assim. Até porque, e isso é admirável, D. Pedro disse mais de uma vez que era um republicano e se sentiria mais confortável como um presidente da república que como um imperador.
Ele que tinha aversão por rituais de dissimulação social, preferindo a companhia dos livros, a observação do céu, a companhia de gente de cultura, o que incluiu o amor de sua vida, Luísa Margarida de Barros, por um casamento na França, a Condessa de Barral. Foi um governante com perfil de que o Brasil não teve chance de voltar a dispor.
Memória prodigiosa, D. Pedro II falava latim, francês, alemão, inglês, italiano e espanhol. Lia árabe, grego, hebraico, sânscrito, provençal e tupi-guarani. Fez traduções de todas essas línguas. Do árabe, verteu para o português “As Mil e Uma Noites”, coleção de histórias e contos populares do Oriente Médio e Sul da Ásia reunidas em árabe a partir do século 9 e tornada acessível no Ocidente a partir de uma tradução para o francês feita em 1704 pelo orientalista Antoine Galland, quem projetou a obra como um clássico da literatura mundial. Na viagem para o exílio D. Pedro II levou com ele o professor de sânscrito com quem estudou até os últimos dias.
Filho mais novo do fogoso Pedro I, que retornou a Portugal para disputar a coroa com o irmão, D. Pedro II foi o segundo e último monarca brasileiro chamado de “O Magnânimo” por seu temperamento afável, resultado de uma dura experiência de vida e, claro: a cultura que fez dele um homem incomum.
A partida do pai para Portugal, em 1831, com a abdicação ao trono brasileiro fez de Pedro II imperador com a idade de 5 anos, um garotinho indefeso, submetido a uma dura formação com a obrigação futura de governar, o que o afastou de crianças de sua idade e fez dele um adulto precoce, condição que sempre, de muitas maneiras, lamentou.
Dizia ter nascido para os livros, para as artes, as línguas e a ciência, mas não transigiu em governar, mesmo contra a vontade. Teve a maioridade decreta em julho de 1840, antes dos 15 anos, como recurso artificial para controle de disputas entre grupos políticos que produziram rebeliões caracterizando esse período como o mais turbulento da história nacional. Ao menos até agora.
A “Maioridade” foi um recurso extremo, levando-se em conta que a regência que deveria governar até que ele atingisse os 18 anos, naufragou pelo fato de seus políticos-tutores terem perdido o que um historiador chamou de “toda a fé na habilidade de governar o país”. E aceitaram, segundo o mesmo historiador, “D. Pedro II como uma figura de autoridade cuja presença era indispensável” à sobrevivência nacional. A maioridade teve apoio da população que enxergou no jovem monarca “o símbolo vivo da união da pátria”.
Murilo de Carvalho descreve os bastidores de um menino angustiado pela ausência do pai e a morte da mãe, Maria Leopoldina, aos 29 anos, já em 1826. A solidão, a dura vida de estudos e a falta de convivência com meninos de sua idade forjaram a personalidade, o temperamento e o comportamento de D. Pedro II, mas fazendo dele um homem afável, em lugar de um ressentido problemático. E essa talvez tenha sido sua grande conquista: uma história de vida.
Os militares, que proclamaram a república como um golpe, já naquele momento conspiravam para atingir seus objetivos, especialmente os jovens oficiais entre os quais a mais alta patente era um tenente-coronel, Benjamin Constant, professor da Escola Militar e da Escola Superior de Guerra. O que vem a seguir, a materialização do golpe em meio a uma situação tanto difusa quanto confusa, um eventual leitor deste texto deve procurar nos originais, a obra de José Murilo de Carvalho.
O fato é que, comboiado pelo couraçado “Riachuelo”, o “Alagoas”, que levava o imperador destituído e sua família para o exílio, segundo Murilo de Carvalho “subiu a costa até a altura de Pernambuco e então afastou-se do continente”. Assim, Fernando de Noronha foi a última parte do Brasil que D. Pedro II pode avistar.
O país que ele amou como poucos, de que recusou benesses que hoje fariam dele uma singularidade, ficava definitivamente para trás. Houve uma última tentativa de despedida, com a liberação de um pombo que levava uma mensagem para a terra que se afastava, mas essa intenção também foi frustrada para consternação geral a bordo.
Alguns fieis amigos seguiram com o imperador, entre eles o engenheiro negro André Rebouças, que nomeia uma das avenidas mais conhecidas, na zona Oeste da cidade de São Paulo. Rebouças, também com vida dramática, engenheiro e inventor, passou os últimos seis anos de sua vida trabalhando no desenvolvimento de países africanos.
Em 13 de janeiro de 1898, sete depois da morte de D. Pedro II, Rebouças suicidou-se na cidade de Funchal, Ilha da Madeira, em Portugal.
Dica do Bem Blogado, como adquirir o livro “Dom Pedro “, de José Murilo de Carvalho.