Por Jorge Barcellos, em Sul21 –
A ideia da gestão privada proposta pelo prefeito eleito Nelson Marchezan Jr. para o mercado público é perigosa (ZH 7/2). Ela subentende a adoção de um novo conjunto de regras de acesso ao seu interior e modifica as regras de contrato cujo efeito é restringir permissões legalmente com base no que se pode pagar. O efeito é a exclusão dos feirantes tradicionais de forma mascarada.
Ao contrário do que defende o Prefeito Nelson Marchezan Jr., o mercado é mais do que um centro comercial, é um espaço de sociabilidade da cidade, bem imaterial essencialmente público e reconhecido da história da comunidade. Das ameaças que o mercado público sofreu ao longo do tempo, de incêndios à demolição, nada se compara a proposta de gestão privada. Porque?
Porque ela é o caminho para transformação do mercado público em shopping center. Marchezan acha natural trazer gestores de centros comerciais – leia-se shoppings. São profissionais de universos totalmente distintos.
Um mercado tradicional é diferente de um shopping. Enquanto que o primeiro é um espaço de congregação, o segundo é de segregação social. O mercado é o lugar de circulação das camadas mais pobres da sociedade; o shopping, das classes privilegiadas. No mercado, estabeleceu-se o modo porto-alegrense de viver; nos shoppings, impera o american way of life.
No mercado estão os aspectos positivos e negativos da cidade; no shopping as mercadorias vendem a ilusão de felicidade. O mercado é um espaço urbano real, e portanto, humano; o shopping é um espaço urbano ideal, e portanto inumano onde só vale a aparência. No mercado, ocorre o imprevisível, tipicamente urbano; no shopping, não há lugar para dúvidas e incertezas, qualquer comportamento anormal é excluído.
O mercado oferece vários usos possíveis; o shopping, o fetiche da mercadoria é a única plenitude possível. O mercado reforça nosso ser social emancipado; o shopping, reforça a sociedade individualista. O mercado possui grupos sociais que frequentam ambientes; o shopping é o lugar da vontade de posse, fim dos compromissos de convívio com grupos.
A transformação de uma instituição tradicional em um espaço da mercadoria só pode ser concebida pela mentalidade que vê como única forma de organização a ditada pelo capital. È essa submissão absoluta aos desígnios do capital que anuncia que a gestão do prefeito Nelson Marquezan, ao contrário do que afirma, de que o mercado é dos cidadãos, age exatamente na contramão do que afirma: ele está agindo para dar o mercado as “grandes marcas”: sai a Banca 40 e entra o McDonalds; sai o mais que centenário Bar Naval e entra o Camicado. Triste sina para o espaço que além de comércio, foi a identidade da cidade. Já se pode imaginar os letreiros em neon ocupando as fachadas com grandes marcas: “Zara, agora no Mercado Público”. FIm da participação popular, exclusão das camadas populares, elitização do mercado sob a desculpa da eficiência administrativa.
A transformação da gestão pública em privada só servirá para transformar o mercado público em instrumento do capitalismo, enfraquecendo o sentido de comunidade na cidade. Se abrirmos caminho para que se transforme em shopping, se eliminará a dimensão da vida como ela é, fracasso da plenitude do ser social de seus cidadãos.
.oOo.
Jorge Barcellos – Doutor em Educação, autor de “Educação e Poder Legislativo”(Aedos Editora, 2014). Colaborador de Sul21, mantém a página Politica e Democracia no Jornal Estado de Direito.