Por Adriana do Amaral*, jornalista
Cheguei para ele e disse: Ei amigo, você pode me ceder um cigarro? Ele disse: Eu dou, mas vá fumar lá do outro lado. Dois homens fumando juntos pode ser muito arriscado! (Raul Seixas)
Um homem adulto, negro, imigrante e em situação de rua, então… É perigosíssimo!
Não estamos atualizando a letra da canção Metrô Linha 743, de Raul Seixas. É a realidade excludente das ruas da capital paulista, onde a política higienista garante e legitima as abordagens policiais violentas.
Eram as primeiras horas da manhã dessa terça (28). Um grupo de policiais militares aborda um cidadão numa das ruas centrais de São Paulo. O homem estava sentado, lendo um livro, na calçada.
A confusão começou quando ele não aceitou a abordagem, talvez sequer tenha entendido o que estava acontecendo, com dificuldade de entender o idioma, ou os gritos. Ele não teria aceitado por as mãos na cabeça e na iminência de ser revistado, para provar que não tinha nada de perigoso, ficou nu.
Quem passava estranhou, filmou, fotografou, indignou-se ou até mesmo aplaudiu a ação policial.
O homem, acuado, foi se despindo do pouco que tinha, até que ficou nu. Não havia nada de ameaçador em sua conduta, já na dos policiais…
Suspeita-se que tenha sido uma denúncia de algum cidadão intolerante com o outro. Há quem diga que seja uma pessoa com algum distúrbio mental, como saber?
Apenas temos a certeza de que ele foi agredido com arma de choque pelos policiais que, armados com escudos, cassetetes e revolveres, acalmaram o “delinquente” ou seria “meliante”, “desocupado”, ou simplesmente alguém que sentou para ler o seu livro ao ar livre. Isso mesmo.
A descarga acabou por causar o desmaio e o homem adulto, negro, imigrante e em situação de rua foi levado ao hospital, algemado. E mais não sabemos.
As imagens gravadas em vídeo mostram um homem calmo, que em nenhum momento mostrou-se um risco à integridade dos policiais, ou à sociedade.
Logo depois, na mesma região, pôde se ver uma espécie de treinamento da “Operação Caronte”, tática usada por policiais em suas ações na chamada “cracolândia” paulista.
A conduta policial coincide com a publicação, pelo colunista do portal UOL, Jamil Chade, do conteúdo da carta redigida por observadores da ONU denunciando casos de xenofobia no Brasil. O documento foi endereçado ao presidente Bolsonaro em abril passado, mas não foi registrada uma resposta.
O número de imigrantes em situação de rua aumenta nas cidades brasileiras, pois a política de fronteiras abertas e acolhimento parece ser coisa do passado, ou ficção.
Voltando a Raul Seixas: porque, afinal, se pensa melhor parado. E o livro é a melhor arma, não é mesmo?
*Com reportagem e fotos de Tião Nicomedes, blogueiro, artivista, escritor, fundador da Tiviu