Da Redação: Amigo de longa data do pessoal do blog, o Adailton Medeiros é um produtor cultural dos melhores e mais agitados do Rio de Janeiro. Morador em Guadalupe, a 40 quilômetros do centro da cidade, o Adailton é líder comunitário e toca o primeiro cinema popular digital do Brasil, o Ponto Cine.
Lá no bairro de Guadalupe, na pontinha da Dutra rumo a São Paulo. Com orgulho, Adailton tem um público de primeira que frequenta assiduamente o cinema que mais passa filmes brasileiros no mundo.
Abaixo, um relato sobre a cidade de Narcisópolis do livro, que será lançado no Rio no dia 23 de junho próximo. Relato feito pelo autor.
Narcisópolis é um bairro suburbano fictício. A maior característica da sua população é o “bairrismo”. Ela defende os “seus interesses” por meio de atitudes extremas para exaltar as suas “virtudes”.
Inconformados com as instalações dos piscinões na cidade, seus moradores decidiram, por conta própria, construir o seu próprio piscinão. Melhor, resolveram transformar uma de suas mais tradicionais praças em lagoa, que era para matar de vez todo mundo de inveja. Ou seja, piscinão era pouco.
A lagoa, sua criação e “descriação”, que irá durar sete dias, é o fio condutor da narrativa, que se utiliza de temas como: amor, política, religião, desigualdade e exclusão social, deficiência nos meios de transportes públicos e corrupção.
Cada personagem traz consigo uma história que é encontrada facilmente no dia–a–dia, o que torna a leitura palatável e, mais que isso, provoca o riso por abordar de maneira muito bem humorada “dramas” diários como, por exemplo, ir sentado para o trabalho, após uma hora na fila do ponto final do ônibus, mas voltar sempre em pé e condenar-se ao con seguir um assento no meio do trajeto, por penalizar-se com a “classe dos em pé”.
O Espelho de Narcisópolis trata de um sem fim de personalidades que vão do riso fácil à emoção extrema. De Grillo, o “mais narciso” de todos, ao Muriçoca, “um cara que sempre sonhou ser pipa, mas nunca passou de marimba”. De Carioca, o mendigo amado, a Jorge Maluco, o doido encantado que virou cavalo. De Eurídice, a louca, à Peciliana, que tinha quatro sonhos na vida: casar-se, ter filho, um emprego e um videocassete. De Marquinho Bacana, o riquinho do bairro, à pobre Menina dos olhos largos. Dos fofoqueiros velhos broxas ao Seu Nilo do Banco do Brasil. De Oberdran, que perdeu a sua Madame para o mecânico, à Mulher do Nelson, que fugiu com o motorista de ônibus. Dos crentes que queriam fazer um megashow na lagoa à tradicional benzedeira do bairro, Ercília, que não pôde fluidificá-la.
Mas a ficção com pitadas de realidade ganha outra dimensão ao abrir-se ao fantástico. Surge então o triângulo amoroso entre o Misterioso Iluminado – –o homem mais respeitado de Narcisópolis––, Bete – o peixe pescado na lagoa, que virou um mulherão, a &ldqu o;sereia causadora de ciúmes em todas as outras mulheres de Narcisópolis”––, e o radialista poeta, André Barreto.
As transformações de Bete foram os grandes motivos do desespero e depressão do Poeta e do desaparecimento do Iluminado.
Mas não foi só isso. Talvez Bete tenha sido o pretexto para a interdição da lagoa por parte do Governo Municipal, depois do Governo Estadual e, seguidamente, do Governo Federal. Mas há dúvidas até hoje, porque muitos acreditam que foi muito descaso Ercília não ter ido benzer a lagoa. A maior obra popular construída em sistema de mutirão ficou desprotegida. Crença é crença.
O fato é que o espelho da lagoa ficou sendo o Espelho de Narcisópolis. Uma confusão entre criador e criatura. Suburbano é assim mesmo.