Mais um episódio quente da coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista. Neste capítulo, Cícero César fala tanto sobre calor que tivemos que ligar o ar condicionado para lê-lo. Ah, o Maurinho, citado por César, é o embaixador de Bangu exilado,feito um José Bonifácio,em Paquetá. Ele é quem trouxe o calor de Bangu para a nossa ilha (Washington Araújo).
“Começo com uma piada que tem como referência “Segundo sol”, canção de Nando Reis que ficou imortalizada na voz de Cássia Eller. É mais ou menos assim: “Com o calor que está fazendo, imaginem só quando o segundo sol chegar?”, pergunta alguém. E se responde de bate-pronto, sem parar de se abanar: “Aí vira Bangu, um bairro bom, mas quente pra chuchu”.
Bangu é realmente um caso à parte quando se trata de calor. Eu, que já trabalhei por lá, já tive a sensação de ver o chão derreter sob os meus pés. É mais ou menos como a ilusão de ótica que dá as caras em pistas de avião. Quem já a teve?
Depois da primavera, o Maurinho costumava comprar uma piscininha de vinil, que furava antes de março terminar. Eu nunca tive a ideia de levar uma piscininha do Maurinho para o borracheiro. Poxa, que mancada!
Agora, morador de Paquetá, ele pensa em consertar tarrafa!
E lá e ainda lá em Bangu, na rua Boiobi (quase um palíndromo!), que a coisa esquenta. É onde o Maurinho morava: na rua Boiobi. Que de agora em diante se transformou em Bioboib (palíndromo afinal!).
Mas Paquetá não quer nem pode abafar ninguém quando o assunto é calor – especialmente de dia, que no final da tarde a gente toma fresca com direito à cadeirinha na calçada.
Em “Vila Isabel: inventário da infância”, livro de forte verve memorialística o mestre Aldir Blanc nos revela que muitas férias da família em Paquetá foram interrompidas devido à falta ou ao excesso de água.
Deve chover de dar medo, ainda mais atualmente, com a quantidade de embarcações à deriva na Baía de Guanabara. Imaginem só, a gente lá na Moreninha, descalços, bebendo do isopor umas e outras lampoticamente geladas, para testemunhar a chegada de um petroleiro de não sei quantos pés colidir com os pedalinhos? Contando, ninguém irá acreditar.
“Pobre do petroleiro! Levou a pior no píer dos namorados. Não emborca, não. Aquilo ali é fibra de vidro, pô! Era melhor ter batido nas pedras.”
O petroleiro apaixonado
Que vivia derivando
Por causa de um pedalinho
Foi se afundando
Foi se afundando!
Pausa para ligar o ventilador. Paródia de marchinha é sinal de delírio!
Cassia Eller iria fazer 60. Tom Jobim fez 28 de falecido. Eu me lembro bem dos dois vivinhos da Silva.
Pois é, o tempo está correndo mais frouxo do que a marcação que a seleção brasileira fez em cima do Modric na sexta passada.
Quem ficou a ver navios foi a seleção brasileira em um jogo que poderia vencer.
Só dói quando eu lembro! A gente podia ter tomado de três da Argentina depois. Poderia ter vencido os Hermanos.
Enfim, enfim.
Já ouvi o chiado da cigarra!
Já senti o vento quente!
Já senti o rosto ficar lustrado como se mamãe tivesse passado em mim, em vez de talco, cera de carnaúba.
Já estou com medo da conta de luz de janeiro!
Já senti cheiro de jasmim!
Já senti o cheiro de chuva!
Daqui a pouco meu carro enguiça devido ao alagamento de algumas ruas. Cada um tem a colisão com os pedalinhos que merece. Daqui a pouco o pessoal fala da Dengue e de outras doenças tropicais que se aclimataram à nossa inépcia.
“Cobre os espelhos, menino, que Iansã vem anunciar a enxurrada”, diz a mãe que eu inventei para mim agora, muito embora a minha mãe também tenha lá as superstições dela.
As dependências da casa já foram infestadas pelos bichinhos de luz e das inefáveis luzinhas pisca-pisca do Natal. “Jingle bells! Jingle bells! Acabou o papel. Não faz mal, não faz mal, limpa com jornal!”
Daqui a pouco passa o caminhão de refrigerantes todo decorado dizendo: “Baby, beba Laco Loca!”.
Daqui a pouco a gente ouve Simone!
Não tem jeito, chegou o verão!
E ainda teve o discurso do Lula. Eu o li assim rapidamente ontem, acho que terei que reler e reler o tal discurso de diplomação. Em todo caso, a vitória do Lula é tão simbólica que nos faz ter vontade de acompanhar de perto os rumos da política. Mais do que apenas acompanhar, de participar mesmo. Digamos que a vitória de Lula é que nem reza boa para espinhela caída.
Eu me lembro do discurso de posse de Fernando Henrique. Eu estava em Iguaba. Diante da tevê, o vi errar uma palavra apenas com o intuito de enfatizá-la.,Truque retórico! Como se sabe, Fernando Henrique, o príncipe, não erra…
Com Lula de volta, tudo fica diferente. Com ele lá é bem capaz da gente querer assoviar aquela canção antiga, e como tantas, linda, da primeira fase do Chico Buarque: Um marinheiro me contou / Que a boa brisa lhe soprou / Que vem aí bom tempo…
Sabendo, é claro, que esse tipo de bom tempo que a gente tanto quer só a gente pode fazer. Não vamos culpar as intempéries a todo instante por coisas que são de nossa mais inteira responsabilidade.
Que venha o bom tempo que se anuncia.”
Sobre o autor
Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.
Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019) e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.