Por Tiago Coelho, publicado na Revista Piauí –
Deputado federal mais votado da Bahia sintetiza o viés militar e religioso da política atual, mas defende a não violência e fará oposição a ideias do PSL
Eleito para seu primeiro mandato no parlamento federal, no entanto, o pastor-sargento afirmou que não vai levar a Brasília os porretes pelos quais ficou conhecido – e que costuma balançar no ar, em tom ameaçador, a quem o desafia. E, ao contrário da retórica dominante entre políticos fardados, seu discurso sobre segurança pública destoa dos mais radicais, que encarnam a lógica de que bandido bom é bandido morto. “Tem proposta presidencial aí que diz que vai combater violência com mais violência. Tem candidato que diz que polícia que não mata não é polícia. E que policial que matar dez, vinte bandidos deve ser premiado. Meu discurso é contra isso”, disse o baiano, que foi eleito pelo Avante.
O pastor criou há 26 anos em Candeias a Fundação Doutor Jesus, centro de recuperação de usuários de drogas que atende a 1 200 pessoas por ano. Ele afirma que não vai apoiar projetos de segurança pública que tenham como suporte a violência. “Não precisa estimular o policial a matar. Policial não é assassino. É pai de família. O policial precisa de um bom salário e de dignidade. Não conte comigo para violência”, disse o pastor.
A fala do parlamentar se opõe a propostas e declarações já proferidas publicamente por Jair Bolsonaro. “Policial que não mata não é policial”, disse o presidenciável do PSL, em 2017. “Se [o policial] matar dez, quinze ou vinte, com dez ou trinta tiros cada um, ele tem que ser condecorado e não processado”, afirmou o candidato, em agosto último.
São ideias que o pastor-sargento afirma repelir e que o levarão à oposição a Bolsonaro e a parlamentares eleitos pelo PSL. Nesta segunda-feira, dia 22, viralizou nas redes sociais um vídeo em que Isidório aparece com uma estrela do PT pendurada na roupa com o nome e o número de Fernando Haddad, e com uma Bíblia na mão. Deu a entender que havia “acreditado em mentiras” sobre o candidato, mas que se arrependeu. Se referiu a Haddad como professor e pai de família. E declarou voto no petista. “A mentira é do diabo. Vamos para as urnas sabendo que o PT errou. Mas quem não errou? No outro partido lá está socado [de pessoas que erraram]. Não pode generalizar.”
Manoel Isidório de Santana Junior é um fenômeno eleitoral na Bahia – teve quase o dobro do número de votos do segundo deputado mais votado, Otto Alencar Filho, do PSD (185 mil votos). Além de garantir sua cadeira na Câmara Federal, o pastor-sargento ajudou a eleger seu filho, João Isidório, para uma vaga de deputado estadual na Bahia.
O deputado baiano preserva o mesmo conservadorismo nos costumes que sustenta ideologicamente Jair Bolsonaro. Casado e pai de sete filhos, Isidório costuma dizer que é um “ex-homossexual” convertido pelo Evangelho. Temas progressistas sobre sexualidade e identidade de gênero, sobretudo nas escolas, ganham o repúdio do pastor que recorrentemente defende a “preservação dos valores da família”.
É no que diz respeito à segurança pública que o pastor se afasta do candidato do PSL. A lógica do punitivismo violento não faz eco no discurso de Isidório. Quando o encontrei em sua fundação na Bahia em fevereiro ele disse: “Tudo de ruim eu já fui. Se Deus mudou minha vida, pode mudar a dos bandidos. Os colarinhos brancos estão em tudo quanto é canto. Na hora de matar bandido nessa nação, só chega nos lascados da periferia. Não tem que matar, tem que pregar o Evangelho que liberta.”
Antes da divulgação do vídeo no Twitter, quando perguntei quem ele apoiaria no segundo turno, respondeu: “Entre Bolsonaro e Haddad, Deus não escolheria nenhum dos dois. Vou orar por aquele que ganhar, para que faça um bom governo. Eu não terei embate com o presidente eleito. Mesmo que ele se mostre ao contrário ao que penso. Mas não vou apoiar propostas que envolvam violência.” Ao amenizar o discurso, o pastor-sargento tenta equilibrar as duas pontas de seu eleitorado, dividido num estado que deu vitória para o PT no primeiro turno, mas que somou 1,7 milhão de votos para Bolsonaro (23,4% dos votos válidos da Bahia).
Isidório foi policial militar e entrou para a política após participar de greves de PMs, em Salvador, reivindicando aumento de salário e melhores condições de trabalho para a corporação. No episódio, acabou preso e torturado nas dependências da polícia. Mais tarde, o coronel responsabilizado pelo ato contra ele foi condenado por tortura.
Ainda que tenha demorado a declarar apoio no segundo turno, afirmou ter se mantido ao lado de dois políticos petistas da Bahia que, segundo ele, “fizeram bem ao estado”: Jacques Wagner e o atual governador do estado, Rui Costa. “Vou apoiar o projeto que permitiu que pretos lascados não precisassem passar dias dentro de um ônibus para viajar e que hoje em duas horas chegam ao seu destino de avião.”
O pastor-sargento, entretanto, não poupou de uma descompostura os nomes do PT nacional envolvidos em corrupção. “Esse PT que perdeu o caminho não vou apoiar. Uma corja de sacanas.” A proximidade dos petistas baianos permitiu que acompanhasse, segundo ele, uma tentativa do PT local de apoiar a candidatura de Ciro Gomes. “Wagner e Rui insistiram de todo jeito para o PT apoiar Ciro antes de começar a campanha. Cheguei a assistir o enfrentamento deles: ‘Bota um aliado. Bota Ciro Gomes.’ Por que tem que ser só petista como candidato? Eles foram voto vencido. Agora, quem ganhar que tenha a misericórdia do povo e trabalhe para todos.”
Isidório diz não fazer proselitismo político na igreja e critica os líderes religiosos nacionais que o fazem, como Silas Malafaia, R.R. Soares e Edir Macedo. “Não se esqueça que quem está lá em cima não está preocupado com quem está embaixo. Eu já disse que pastores para mim são aqueles que estão na periferia, cuidando de gente. Vendo a pobreza de perto. Esses empresários da fé, cheios de rede de comunicação, jatinhos e barcos não estão. Rezo para que tenham consciência de que a igreja não deveria se meter em política neste momento em que há dois candidatos com duas trajetórias complicadas. Mas eles optaram pelo lado que propõe derramamento de sangue. Eu tenho que optar por um lado que não vai ter violência.”
Não defender uma proposta radical para a segurança pública do país não significa que Isidório não tenha planos para a área. Disse que, assim que chegar ao Congresso, pretende apresentar um projeto de federalização das polícias estaduais. “Toda hora tem greve de policiais e quem se arrebenta com o caos instalado é a sociedade. São profissionais que não têm seus direitos reconhecidos e que precisam lutar por eles. A fórmula para se acabar com as greves e com o sucateamento das policiais estaduais é federalizando e canalizando recurso federal para pagar bons salários, com estrutura e tecnologia para as tropas. Uma polícia subordinada a um comando único federal, a partir da criação de um Ministério da Segurança Pública”, exemplificou.
O pastor-sargento teme o clima beligerante que se instalou no país. “Tanto Bolsonaro quanto Haddad terão de pedir a seus eleitores que se respeitem. Não façam praça de guerra nas cidades. Se o presidente for Bolsonaro, que se cerque de homens pacíficos e possa ouvir seus conselhos.” Isidório terminou a conversa narrando uma passagem bíblica em que comparou Jair Bolsonaro a Pedro, apóstolo de Cristo. “Quando o soldado apareceu para prender Jesus, Pedro picou a orelha dele com a espada. Pedro era um cara meio Bolsonaro. Picou a orelha do cara. E então Jesus disse para Pedro: Embainhe sua espada, para que ela não se volte contra você.”
TIAGO COELHO (siga @tiagocoelh no Twitter)
Tiago Coelho é repórter da piauí e roteirista