Por Cassiano Ricardo Martines Bovo – Arte: Gabriel Pedroza , compartilhado de Justificando –
Há dias em que nos deparamos com “comemorações” (não deixa de ser, embora, de luto) de casos emblemáticos de violações de direitos humanos, às vezes ocorridas há muito tempo (será que tão distante?), como a Chacina da Candelária (1993), ou recentemente, como a Chacina de Pau D’Arco (2017), sobressaindo-se, ou “recortando-se”, as mais contundentes como representações das tantas outras; afinal, sabemos que lembranças do tipo poderiam estar estampadas todos os dias neste país das execuções, desaparecimentos e torturas.
Da mesma forma, a comemoração de datas, por ex., Dia Internacional do Combate à Tortura, da Consciência Negra, da Visibilidade Trans, dentre outras.
“A vida começa verdadeiramente com a memória”. (Milton Hatoum)
A lembrança se faz de várias formas: matérias jornalísticas, fotos, filmes, documentários, espetáculos, depoimentos, relatos, monumentos, dentre outros, além dos eventos (atos, marchas, encontros, seminários, palestras); uma dessas formas pode ser a narrativa memorialista; no meu caso, busco um repertório na forma de reconstruções de casos, descrevendo detalhada e cruamente as ações e atentando para discursos significativos, afinal, o como se conta deve ter sua importância. Qual o sentido de se contar o que passou? Por que relembrar?
Narrativas como estas, resgates que incomodam, nos reporta ao papel da memória na sociedade, sobretudo na luta contra as violações de direitos humanos. Memória entendida aqui não no seu sentido médico-fisiológico, neurolinguístico etc., mas noutra inscrição: a histórica, e sem a pretensão do debate teórico.
Pensemos na memória em relação às violações cometidas no período da ditadura militar (principalmente execuções, desaparecimentos e torturas); belo exemplo de força memorialista, talvez o mais vigoroso em nossa sociedade no que tange às violações de direitos humanos (creio que também na Argentina, Chile, Uruguai, Espanha, ao menos), e seu amplo leque de recursos, desde os relatos, passando por filmes e os tantos eventos, repetindo-se ano a ano, ressaltando-se as Comissões, sobretudo da Verdade, e comitês.
Lembra-se funestamente que a memória tem sempre o outro lado, ela alimenta também os que defendem as violações, como “memórias rivais”, no dizer de Elizabeth Jelin.