Um sujeito como já não se vê mais

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Mais um sensível texto de Cláudio Lovato Filho, que nos lembra Ernest Hemingway: “São precisos dois anos para aprender a falar e sessenta para aprender a calar”

Por Cláudio Lovato Filho, jornalista e escritor




Ele não lembra exatamente quando decidiu que ia parar de falar.

A ideia foi tomando corpo de forma gradativa e, a partir de certo momento, gerando resultados na prática.

De início, foi assim: na dúvida entre falar e não falar, a opção era não falar.

Depois, na hipótese de falar, a estratégia era falar o mínimo possível: três palavras em vez de quatro, duas em vez de três, uma em vez de duas – e, então, nenhuma em vez de uma.

Tinha poucos amigos, com os quais não costumava se encontrar; morava sozinho e trabalhava em casa, fazendo traduções e revisões de textos técnicos. Tudo isso ajudou.

Quando recebia alguma ligação de familiares, respondia usando mensagens de texto no WhatsApp.

Com o tempo, as pessoas (vizinhos, colegas) passaram a formular teorias: um problema de ordem fonoaudiológica, tumor na garganta, sequela da Covid.

E ele, ao tomar conhecimento desses rumores, aproveitou-se da situação: quando alguém o abordava na área comum do condomínio, no supermercado, no restaurante ou em alguma das raras ocasiões em que ia à editora, ele apenas apontava para a garganta com o dedo médio e o indicador e dava duas batidinhas.

Depois de várias semanas em absoluto silêncio, ele passou a sentir um tipo de liberdade de que só os que não são notados conseguem desfrutar.

Então, um dia, ele entendeu: aquilo pelo que ansiava era a invisibilidade.

E foi assim que ele, num determinado momento, bendisse toda a barulheira do mundo e deu seu inaudível grito de independência para o mundo inteiro não ouvir.

Por fim, foi se tornando apenas uma silenciosa lembrança na memória das pessoas que um dia haviam lhes dado ouvidos.

E desapareceu da face da Terra, num mudo evaporar, durante uma noite de festa com música sertaneja a todo vapor no apartamento do vizinho.

Foi-se embora sem dizer adeus – com perfeita coerência e em estado de maravilhada euforia.

Sobre o autor:

Cláudio Lovato Filho nasceu em Santa Maria (RS) em 8 de abril de 1965. Ainda na infância mudou-se com a família para Porto Alegre, onde, em 1988, formou-se em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Em Santa Catarina, nas cidades de Blumenau e Florianópolis, foi repórter de jornal, assessor de imprensa e redator publicitário.

Transferiu-se para o Rio de Janeiro em 1992, para trabalhar em comunicação empresarial e realizou coberturas jornalísticas em 20 países.

É autor de três livros com histórias ambientadas no universo do futebol: Na Marca do Pênalti (Editora 34, contos), O Batedor de Faltas (Editora Record, contos) e Em Campo Aberto(Editora Record, romance).

Teve contos publicados em diversas antologias. Desde 2016 mora em Brasília.

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