Neste domingão, mais um belo texto de Cláudio Lovato sobre um futebol pouco visto, mas muito sentido. Me veio à cabeça Lupicínio Rodrigues, gremista, como o autor: “Estes moços, pobre moços / Ah, se soubessem o que eu sei…”
Por Cláudio Lovato Filho, jornalista e escritor
Calçadão
Os pés de tornozelos inchados, mal acomodados nas sandálias de couro, procuram um ponto estável nas pedras portuguesas. E os olhos na areia.
“O garoto com a 8 é bom de bola”, ele diz para si mesmo, pensamento em voz baixa, diluída no vento que vem do mar.
Um homem mais novo se aproxima e o cumprimenta de um jeito muito econômico, meio receoso, sem dúvida reverente.
“Fala, seu Maneco”.
O velho retribui com um cumprimento ainda mais escasso, sem tirar os olhos da areia. A mão trêmula segura um copo de cerveja trazido do quiosque.
Os pés doloridos buscam a compreensão das pedras pretas e brancas, e principalmente dos buracos de praxe entre elas.
“Mas ainda é nervoso”, o velho diz.
“Com o tempo vai ganhar sangue frio”.
O garoto com a camisa 8 passa perto deles. Cospe na areia, faz um movimento rápido com o pé esquerdo para cobrir o cuspe e põe as mãos na cintura.
Agora está abandonado, esquecido, distante de onde as coisas se desenrolam. Levanta o braço, pede a bola, mas ela não vem.
E o velho diz:
“Ansioso que só ele”.
O copo de cerveja na pontinha do banco de cimento, a mão no bolso da camisa social de mangas curtas, o maço na mão, depois o isqueiro de plástico, outro cigarro aceso.
O garoto da 8 recebe a bola, perto da calçada. Dá pinta de que vai cruzar, mas resolve que não. Vai com ela em direção ao gol, como se houvesse ouvido uma ordem superior, muito acima de sua capacidade de dizer não, e então chuta cruzado, com toda a força e toda a fúria que consegue reunir naquele momento crucial, mas o que sai é um arremedo de chute, um engodo, uma piada, e ele custa a acreditar no fiasco que fez, e os companheiros reclamam, e o velho traga o cigarro e solta a fumaça e diz para si mesmo (e talvez para o companheiro ao lado):
“Era isso mesmo”.
O velho, a quem todos chamam respeitosamente de seu Maneco, agora dá as costas para o jogo e põe-se em movimento, em seu passo de romaria.
O amigo o observa ir embora e depois vai se juntar a outros quatro que estão sentados ali perto, em cadeiras de plástico.
“Quando será que eles vão voltar a se falar?”, um deles pergunta.
E o que estava com o velho responde:
“Tem mágoa demais nisso aí”.