Por Claudio Lovato Filho, jornalista e escritor –
Era um homem escravizado por suas predileções, e as praticava da pior maneira, pois escolhia seus favoritos pelo critério soberano da bajulação que lhe dedicavam.
Que bom se seus escolhidos fossem, coincidentemente, os melhores jogadores do plantel. Caso não o fossem, entretanto, paciência: estariam em campo de qualquer jeito, porque o que importava eram os imperativos do caricato senso ético e moral do veterano treinador.
Assim se sucediam os dias e as temporadas, sem expectativas de mudanças e de novos e melhores e tempos, porque havia, naquele clube, um presidente que era um profissional exemplar na prática da lei do menor esforço e da omissão, e a isso pouca resistência conseguia oferecer o jovem diretor de futebol, que tentava ser honesto, sério e competente (e que também viria a se mostrar astuto).
O velho técnico viveu anos e anos de tranquilidade à frente daquele time, embora jamais houvesse demonstrado ter compromisso com vitórias e conquistas. Estava comprometido demais consigo mesmo para pensar nessas coisas.
Um dia, porém, as coisas começaram a mudar – porque assim sempre é.
Na esteira da saída simultânea de um grupo de jogadores, fruto de negociações, e, sobretudo, da chegada de jogadores pelas mãos de um emergente empresário, que de forma rápida e surpreendente ligara-se ao clube, criou-se uma situação de difícil controle para o treinador.
No grupo que agora desembarcava no clube havia uns quatro jogadores (pelo menos) vindos para ser titulares; jogadores experientes, com muita bola no pé e personalidade.
“É time para ganhar campeonato”, dissera o jovem diretor ao presidente, em certa tarde chuvosa da pré-temporada, à beira do campo. “Agora é com ele”, acrescentou, apontando o queixo para o técnico.
Foi a partir de um questionamento aparentemente inofensivo, feito por um dos novos jogadores, uma indagação sobre o esquema de cobertura dos laterais, que a casa (outrora mansão) do velho técnico começou a cair. Chegou-se, lá pelas tantas, à situação em que cinco jogadores entraram em sua sala para inquiri-lo sobre as razões da barração de um jovem volante que estava voando baixo em benefício da manutenção no time de um jogador que vivia um desastroso momento físico e técnico.
O pedido de demissão chegou por e-mail ao jovem diretor de futebol, que anunciou o fato por telefone ao presidente.
“Você resolve isso”, disse o presidente. “Diz que outra hora eu falo com ele”.
Ouvindo o zunido na linha depois do abrupto encerramento da ligação, o jovem diretor de futebol não pensou em nada de especial; não lhe ocorreu nenhuma reflexão profunda nem lhe veio à mente alguma lição transcendental. Sentia-se apenas fortalecido em algum lugar intransigente de seu espírito onde não acontecem negociações. Não estava em festa, mas congratulava-se sem falsa modéstia.