Uma bola com efeito

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Por Claudio Lovato, jornalista e escritor – 

Cada um é cada um , cada um sabe de si e tem os seus problemas, e os problemas costumam ser típicos de certas idades, e assim é que, com Iago, o problema é que ele era ruim de bola e sofria por isso.

O pai se foi, foi-se embora quando Iago era criança de colo. Não, o pai não morreu;  “se foi” e “foi-se embora” não são eufemismos para o falecimento. O pai saiu de casa, separou-se da mãe e foi morar com outra mulher, em outra cidade.




O pai, desde então, passou a telefonar duas vezes por ano: uma no aniversário de Iago e outra no Natal. Manda dinheiro todos os meses e um presente de “Papai Noel”. O pai, portanto, nunca ensinou a Iago os fundamentos da bola, os segredos do jogo, nada, coisa nenhuma,nem jamais o levou ao estádio.

O pai, de certa forma (Iago sentia isso, sem ainda ter condições de processar mentalmente e, portanto, verbalizar o que sentia), já não era mais seu pai, e passou a sê-lo menos ainda quando os filhos do novo casamento nasceram. A partir de então, os telefonemas de aniversário e de Natal ficaram mais curtos, e o presente, mais barato.

            A mãe, claro (porque mãe é mãe), percebia a maior parte da frustração de Iago por causa de sua falta de habilidade para o futebol. Ela jamais teve qualquer tipo de intimidade com o jogo, mas era mãe, e mães se saem bem em qualqer tipo de jogo nos quais seus filhos se metam, mesmo que, às vezes, aos olhos do mundo, pareça que elas não estejam compreendendo nada do que está ocorrendo com eles.

Assim foi que ela, compadecida e inconformada com a fisionomia triste e o comportamento preocupado do filho, um dia, em um contato supostamente casual no hall do edifício, perguntou ao vizinho de cima, o sujeito magro e de barba rala que morava no 402, um sujeito que (segundo o zelador havia comentado com ela) era jornalista e trabalhava num site de notícias de esporte, perguntou se ele, quem sabe, não poderia dar umas dicas de futebol a seu filho, ali mesmo, na pequena quadra de futebol de salão que havia no playground. Ele olhou para ela, meio surpreso, meio sorridente, e disse apenas: “Claro”.

(Não vamos nos alongar demais aqui com o relato das vezes em que esse homem pensou em abordar aquela mulher bonita com cara de cansada, e em quantas vezes ele pensou nela quando estava sozinho, em seu apartamento, fantasiando cenas muito bonitas. Deixemos isso de fora.)

Ela pediu a ele que, “pelo amor de Deus!”, não deixasse Iago saber que a ideia partira dela. E ele, de novo, disse apenas: “Claro, claro”.

Dois dias depois daquela conversa, Iago e o homem do 402, que se chamava José Renato e tinha jogado nas categorias de base do principal time da cidade, encontram-se na frente do prédio. A conversa surgiu naturalmente e não foi difícil ao jornalista esportivo marcar um gol-a-gol para a quadra do prédio, no sábado seguinte, de manhã.

O que se poderia contar mais? Que o menino aprendeu coisas que o tornaram um jorgador habilidoso ou mesmo um craque? Que José Renato e a mãe do menino deram início a um romance e, dali a algumtempo, todos foram morar juntos?

Talvez tudo isso tenha acontecido, talvez não tenha sido bem assim, ou nada assim. O fato que importa, o que faz toda a difrença nesta história, é que, no terceiro treino deles na quadra do playground do prédio, Iago, em determinado momento, já com o suor ensopando a camiseta branca, bateu na bola de um jeito que fez o homem sorrir, satisfeito, entusiasmado, alegre, como há muito tempo não se sentia, e fez o menino passar a ver a si próprio como alguém que pode. Alguém  que pode.

E foi então que o coração do menino ficou leve,de um jeito completamente desconhecido para ele.

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