Uma bola em curva, cheia de efeito

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Por Claudio Lovato Filho, jornalista e escritor
Cada um é cada um e cada um sabe de si e todos têm os seus problemas e os problemas costumam ser típicos de certas idades e assim é que, com Leandro, o problema é que ele era ruim de bola e sofria por isso.
O pai se foi quando ele era bem pequeno. O pai não morreu. “Se foi”, nesse caso, não é um eufemismo para a morte. O pai saiu de casa, separou-se da mãe e foi morar com outra mulher, em outra cidade, em outro mundo.
Leandro fazia do futebol seu refúgio, seu porto seguro e sua tábua de salvação, mas – vida dura, injusta e imperfeita – aquilo que lhe dava tanto alento e prazer volta e meia se transformava em motivo de angústia.
A mãe (porque mãe é mãe), uma mãe jovem e preocupada chamada Rosane, um dia percebeu a frustração do filho por causa de sua falta de habilidade para o futebol, e, valendo-se do fato de que a timidez nunca havia sido um dos traços principais de sua personalidade, aproveitou um encontro casual no hall do edifício e perguntou ao vizinho de cima, o sujeito magro e de barba rala que morava no 402, um sujeito que, segundo o zelador havia informado a ela, era jornalista esportivo e tinha sido “jogador mesmo”, enfim, Rosane perguntou-lhe se ele, quem sabe, se não fosse incômodo, só se não fosse incômodo, quando fosse possível, se fosse possível, se ele não poderia dar umas dicas de futebol a seu filho, ali na quadra que havia no playground.
Ele olhou para ela e disse apenas: “Claro”. Ela pediu a ele – “pelo amor de Deus!” – que não deixasse Leandro saber que a ideia partira dela. E ele disse apenas: “Sem problema”.
Dois dias depois daquela conversa, Leandro e o sujeito do 402, que se chamava José Renato e havia jogado nas categorias de base do maior clube da cidade, encontraram-se por acaso.
Leandro usava a camisa do clube que era também o clube do coração do jornalista e carregava uma bola debaixo do braço.
A conversa surgiu naturalmente enquanto esperavam o elevador.
“Batendo uma bola com a galera?”
“Não. Sozinho mesmo. Só dando uns chutes”.
Então, lá pelas tantas, José Renato mandou esta:
“Qualquer dia me convida pra gente fazer um gol a gol ali na quadra. Beleza? É só dar um toque no 402 que eu desço”.
De início eram apenas os dois. Logo, porém, outros dois garotos do condomínio, curiosos e interessados em aproveitar as “aulas” que perceberam estar acontecendo ali, juntaram-se a eles.
Mais um pouco e havia meia dúzia de jogadores nos “treinos do cara do 402” e um time se formou, com Leandro como capitão (escolhido pelos companheiros, convencidos de sua capacidade de liderança e impressionados com seu chute em curva, uma bola cheia de efeito e potência, tudo isso uma grande novidade para o próprio Leandro).
Então chegou o dia em que havia gente de sobra para um jogo entre dois times, e, pouco antes do Natal, três times, com camisas azuis, amarelas e verdes, disputavam um torneio valendo taça comprada pelo condomínio e que reuniu familiares-torcedores do prédio todo.
Bom, cada um é cada um e cada um sabe de si e todos têm os seus problemas e os problemas costumam ser típicos de certas idades e assim é que, com Leandro, o maior problema é que ele era um garoto com medo do mundo e que agora já começava a falar com os outros olhando nos olhos e rindo quando tinha vontade.
Daqui a algum tempo, ele aceitará o fato de que, nesta vida, pode-se ser muito bom em algumas coisas e nem tão bom em outras, sem que isso seja motivo de dor ou desespero.
Esse é o desejo de Rosane, desejo profundo, muito profundo, porque mãe e mãe, mas não é uma certeza que José Renato, o cara do 402, consiga ter, ele próprio com sua história de infância que até agora ninguém parou para ouvir.
Não, ele não tem certeza de que Leandro conseguirá, mas torcerá por isso e ajudará no que for possível.

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