Por Edu Carvalho, compartilhado de Projeto Colabora –
Morador da Rocinha cria conjunto de normas como proteção diante da violência de policiais e traficantes nas favelas cariocas
“No beco escuro explode a violência”, cantavam os Paralamas do Sucesso em 1988. Três décadas depois, a canção de Bi Ribeiro e Herbert Viana ainda explica o atual Brasil, sobretudo a cidade do Rio de Janeiro, desde fevereiro sob intervenção federal, decretada após uma onda de índices negativos da segurança. Para se ter uma ideia, desde 16 de fevereiro até o dia 16 de julho, foram registrados mais de 4 mil tiroteios*. O cano das armas? Apontado para as diversas favelas espalhadas pela cidade. Quem está preparado?
“Na minha casa sempre deixo uma cama forrada no chão”, conta Nice Alves, alagoana de 35 anos e que mora na Rocinha há dez anos. Sua casa fica na Dioneia, uma das localidades que mais registra conflitos, na comunidade que há nove meses convive com a insegurança. Neste período, a Rocinha contabiliza mais de 50 mortes e 25 tiroteios. Resumidamente: não dá para dormir.
Na busca por se proteger, Nice já recorreu à casa de vizinhos que nem conhecia para refúgio. “Estava num salão improvisado, quando o tiroteio começou. Acabei entrando na casa e me escondendo embaixo da cama, sem tempo nem de avisar os moradores”. Quando os tiros começam a cortar o céu e as paredes, a atitude mais rápida é “pegar as crianças, botar no banheiro e proteger a cabeça”, receita ela, que já encontrou uma granada na porta de casa e as janelas quebradas.
Situação semelhante a que viveu Fernando Ermiro, 47 anos de vida e de favela. “Meu filho estava em casa e quase surtei. Quando cheguei na esquina, tinha vidro no chão, sangue na parede e marcas de bala. Um verdadeiro cenário de caos”. Na ocasião, um estilhaço de granada atingiu a porta de sua casa – ele guarda o artefato até hoje. Fica na estante, substituindo o que poderia ser qualquer santo. “Guardo para lembrar do acontecido”.
Influenciado pelos acontecimentos na comunidade, Fernando criou uma espécie de manual sobre como reagir aos tiroteios, e distribui aos moradores por Whatsapp. A diferença para os outros grupos e plataformas que informam sobre tiroteios – e não apenas na Rocinha – é que o morador usa ironia para chamar a atenção de quem lê. “Escolhi o humor para denunciar uma tragédia. Se eu for ao jornal e disser ‘Tá tendo tiroteio na Rocinha’ ninguém dá mais bola”, constata. “Então quis sair dessa” acrescenta, afirmando olhar hoje para os dois lados do beco antes de sair de casa. O motivo? Observar se o clima está tranquilo para daí sim, ganhar a rua.
Se a atitude no beco é olhar para os dois lados antevendo um conflito, dentro do ônibus a tarefa pode ser mais complicada. Foi o caso de um morador de 20 anos ao lado da irmã, de apenas sete. “O ônibus ia parar no ponto para quem mora na Rua 2 (região conhecida por moradores como “Faixa de Gaza”) quando começou o tiroteio”. O ônibus era da linha 539, que faz o itinerário Rocinha-Leme, passando por quatro favelas da Zona Sul. “Quem estava levantando para descer se jogou no chão e o motorista imediatamente deu uma arrancada”, recorda ele, que preferiu não ter o nome divulgado.
O morador relata ainda a sensação de frustração ao ver que as roupas estendidas na laje de casa foram atingidas por balas, e que nem o ar-condicionado de casa tinha sido poupado, cheio de perfurações. “É tenso”, desabafa. O impacto psicológico é muito mais danoso. A irmã desenvolveu um trauma por causa das situações de perigo que viveu nos últimos meses. “O medo tomou conta e hoje ela não pode escutar barulho de fogos que corre e se esconde”.
No último fim de semana, a tensão cresceu pela presença das Forças Armadas, da Polícia Federal e das polícias do estado, que realizaram uma operação na Rocinha e em mais três favelas da Zona Sul. Foi a primeira vez desde o início da intervenção federal no Rio que o Exército entrou na comunidade. A operação contou com ajuda de helicópteros e tanques. Ao menos 16 pessoas foram detidas – oito com mandado de prisão e o restante em flagrante.
Como é sempre melhor prevenir do que remediar, os moradores da Rocinha e de outras favelas cariocas atingidas pela violência deveriam imprimir e decorar as cinco dicas organizadas por Fernando Ermiro.
#FicaADica.
“Para andar em becos, dicas do coach para viver bem e melhor. (Coach é última palavra da moda e um historiador não pode ficar de fora.) Para você que é preto, negro, mestiço, filho de: empregada, porteiro, feirante e afins (caso tenha dúvidas sobre sua origem racial e de suas raízes históricas, sugiro um teste simples e infalível: consulte o policial mais próximo e a forma como você será tratado dirá quem ou o que você é). Vamos às dicas:
a) Arraste os pés com força no chão a fim de fazer barulho e ser notado, isso desestressa o policial e você será poupado do pior.
b) Eventualmente faça barulhos sem sentido. Iisso desperta o policial do seu estado irracional. Cante alto, mas nunca funk, pagode ou samba! Música negra, nem mesmo Michael Jackson. Não sabe hinos de igreja? Aprenda, isso será um investimento para toda a vida, nessa e no além.
c) Fale coisas desconexas ou até irreais como: CTPS, SUS, política, titulo de posse, isso desarma o estado de pronto ataque do soldado.
d) Use desodorante (lá vem vocês: sem sentido, ficção?) e mantenha os braços levantados, sempre que possível. Até hoje não soube que tenha falhado.
e) Nunca, jamais, em hipótese alguma diga direitos humanos ou essas ficções similares. Isso é um gatilho disparador de neuroses recalcadas, das mais destrutivas”.
*Número atualizado segundo o último balanço divulgado pela organização Fogo Cruzado, mostra que o número de tiroteios e disparos na cidade no período foi quase 37% maior do que nos cinco meses anteriores.