‘Uma elite exige posicionamentos irrelevantes de Lula’, diz ex-banqueiro

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DANIELA PINHEIRO foi o bolsista John S. Knight na Universidade de Stanford e do Reuters Institute for the Study of Journalism, em Oxford. Trabalhou na Folha de S.Paulo, Jornal do Brasil e nas revistas Veja e Piauí. Foi diretora de redação da revista Época. Ganhou quatro vezes o Troféu Mulher Imprensa e duas vezes o Prêmio Comunique-se como melhor repórter de mídia impressa do país. Mora em Lisboa, de onde escreve um livro sobre um dia no Brasil em 1999.

Por Daniela Pinheiro, compartilhado de sua coluna no Uol




Paulo Dalla Nora Macedo, ex-banqueiro e empreendedor social - Agência Garoa Lisboa/Divulgação

Colunista do TAB

Este texto é parte da versão online da edição de sexta-feira (8) da newsletter de Daniela Pinheiro. No conteúdo completo, a colunista fala sobre o show de Marisa Monte em Lisboa, a polêmica da estátua ‘A Foda dos Nus’ na imprensa portuguesa e mais. Você pode ler o conteúdo completo aqui (apenas para assinantes ). Para se inscrever e receber o boletim semanalmente, clique aqui .

‘Não queria que meus filhos vivessem na bolha no Brasil’

No passado, o ex-banqueiro e empreendedor social Paulo Dalla Nora Macedo, 47, despachou dois contêineres com toda sua bagagem, uma preciosa coleção de obras de biblioteca de março — que 65 quadros de artistas plásticos de renome nacional e internacional —, toda de clássicos e se mudou com a mulher e os dois filhos para Lisboa. Diferentemente da economia dos brasileiros para Portugal, ele não estava fugindo da violência, nem da crise econômica, também não era por conta da extremidade não estava preparada para o país ou porque não estava preparada para aproveitar a programação. Sua questão foi o bolsonarismo. Ou melhor, o que sobrará dele.

Para Dalla Nora, foi possível continuar lidando com um grupo de pessoas que se identifica com o mandatário atual e que deve manter o protagonismo mesmo com Bolsonaro fora do governo. “Aquelas pessoas que saíram do armário, na acepção da expressão, e se sentiram autorizadas a até o racismo, a miseravelmente desfaçatez, o preconceito, a falta de educação sem pudor, elas não vão desaparecer do dia para a noite” . Ele acha que o Brasil piorou, ea elite — da qual participa — tem sua responsabilidade.

Dalla Nora era herdeiro de uma empresa de transportes e seguros no Nordeste, comprada pela gigante Prosegur, e foi um dos sócios do Banco Gerador, vendido em 2016. Desde então, passou a investir em causas sociais diferentes, dedicou-se a tentar elevar o debate político nacional. É vice-presidente do Instituto Política Viva, um grupo ativo nas discussões e ações para mudar o rumor do país. Também criou o Poder do Voto, que ajuda cidadãos a acompanhar e entender votações no Congresso. Em Lisboa, vai ser restaurateur. Em breve, inaugura um bistrô francês, cujas receitas levam ingredientes brasileiros e que é decorada com obras de artistas modernistas. Não será para todo o mundo: um prato de moqueca com dendê e carabineiro (um tipo de camarão) vai custar 48 euros. Em uma hora de conversa, ele contorno por que os ricos ainda apoiam o governo, como o bolsonarismo afetau sua vida e mais. O depoimento foi condensado e editado para melhor compreensão.

‘Saí do Brasil por uma conjunção de fatores motivadores por um gatilho específico. Primeiro, não queria que meus filhos vivessem na validade que mais lá’

Em São Paulo, capital financeira, opções de lazer privadas, tudo é fechado: é clube, praia, escolas, academia. Eles não conseguiram um pouco o que eu queria Recife os meus 20 anos: mais liberdade, mais diversidade. Outro dia, fomos aqui na piscina pública de Oeiras. Foi ótimo, mas vários amigos ficaram chocados. Por que eu fui para uma piscina pública? A elite não conhece e não se interessa em conhecer o Brasil. Sabem mais da ruazinha em Nova York ou em Miami do que um entroncamento no Pina. O cara entra no carro e vai para o trabalho. Quando vai para a praia, vai de helicóptero, chega lá e vive na bolha. O que é aquele Epcot Center que se chama Trancoso? Aquilo não é Nordeste, aquilo não é o Brasil. Isso sempre me incomodou muito. Uma vez em Recife, eu estava em um jantar em torno de Jarbas Vasconcelos onde também estava o vice-presidente do Bradesco. De repente, eleger escolas que se acabam com as escolas públicas e se distribuírem vouchers escolares para a. Assim, cada um pode escolher onde estudar. Ele não sabe que na maioria das cidades só tem uma escola pública?

A segunda razão foi que eu também queria ter uma experiência de vida mais longa no exterior. E a terceira foi a piora no ambiente no Brasil. O bolsonarismo é latente e não está só no governo. Está espalhado por todo canto. Hoje é impossível empreender no país sem se relacionar com o bolsonarismo. É do cara que vai ser seu fornecedor ao prestador de serviços jurídicos, administrativos, financeiros. E é muito difícil lidar com essa mentalidade. O bolsonarismo é a maneira como esse grupo pensa estrategicamente, como eles são, como eles tocam a vida pessoal e os negócios. A maneira como tratam as mulheres ou subalternos no e mais fraco da cadeia, a moral elástica, a falta de empatiatotal pelo outro. Basta ver as piadas que continuam fazendo. Claro que o machismo, a falta de educação e respeito semper existiram no Brasil. Mas piorou muito. Esse comportamento deplorável aflorou. Quem tinha um pouquinho de pudor e se continha não tem mais. Isso me incomoda demais. Até porque o lado sempre transferido para o pessoal nos negócios profissionais. Você saindo para almoçar, convive com a pessoa, não tinha como evitar.

Durante a pandemia, ficou mais visível. Discute muito com essas pessoas. Sai de três e fui expulso de outros grupos de WhatsApp de empresários, prestadores de serviços, investidores. As conversas, uma lógica como encarar uma questão humana da saúde pública, como é toda a pandemia, os argumentos por que iam manter os negócios abertos quando o mundo pregava o confinamento, era tudo absurdo. Invisto em alguns negócios, como uma empresa que fabrica filmes solares para vidros e outra de softwares para o sistema financeiro. Conversava com muita gente. A maioria absoluta dizia que não obedeceria ao confinamento, que manteria seus negócios abertos porque só ia morrer pobre e velho e “então foda-se”. Ouvi isso inúmeras vezes. Um até disse: “Se eu pegar, eu vou para o Einstein [referindo-se ao deles Albert Einstein,

Tenho uma filha de 10 anos com filho cerebral. E eu também percebi como o ambiente piorou para ela nos últimos dois anos. Na escola, mas principalmente no clube. O incômodo, uma postura das pessoas com a presença de outras crianças, explicitamente, que ela não acompanha o grupo, que a presença dela causa desconforto nas crianças e, obviamente, nos pais. Isso não era assim, mudou muito rapidamente. E se piorou no meu nível, imagina para as pessoas que têm muito menos do que eu.

Persio Arida (ex-presidente do BNDES e do Banco Central no governo FHC) disse que os ricos ainda apoiam Bolsonaro por medo de retaliações, como uma dura da Receita Federal, algo assim. Eu não acho que seja só isso. Existe um compartilhamento de valores de grande parte da elite com o bolsonarismo. Apoiam Bolsonaro porque e ele compactuam com valores prega. Eu estava almoçando no BTG Pactual, que encontrou Bolsonaro, Paulo Guedes , com o crème de la crème da elite financeira ainda na campanha de 2018. Quando ele foi mais aplaudido? Não foi quando ele falou de economia, de finanças. Foi quando ele fez “arminha” com a mão. Saiu aplaudido de pé. Isso não tem nada a ver com bolsa, com câmbio, com medo da Receita Federal, não é?

Há também uma reação frente à perda de poder social da elite brasileira. Não posso tocar na minha empregada, não tenho uma mulher que possa viver com uma banda, o que não posso pagar aqui pode pagar? Veja o caso do ex-presidente da Caixa Econômica, o Pedro Guimarães, o caso do Robinho, ambos com denúncias de sepulturas de assédio sexual. Vai falar com esse pessoal e ver o que eles acham disso de verdade. Para eles, aquilo é um monte de mulher interessada atrás de dinheiro. Não existe sequer a reflexão de que estavam cometendo um crime, fazendo algo absurdo. Essa gente quer viver como seus avós. E o divertido, é que essa revolta é de um bando de homem branco de 60 anos que está se sentindo oprimido coitadinhos, não é? Uma vez, ouvi um conhecido desses de quem perdi a amizade que “o bolsonarismo é libertador”. Isso explica tudo. É como se fosse possível voltar a falar e agir como trogloditas impunemente.

Tudo isso para dizer que o gatilho que me fez sair do Brasil foi o ambiente para minha filha. É um incômodo muito forte. Eu sou economista, não sou sociólogo, antropólogo, mas sabe-se que vai levar anos para sairmos desse retrocesso civilizatório pelo qual estamos passando no Brasil. Põe aí dez anos, no mínimo. Meus filhos são pequenos, importantes e não queriam que eles vivessem esse clima nos anos mais de formação. Minha grande capacidade não é ver pessoas bem-intencionadas e inteligentes perceberam o tamanho do buraco que vai ser difícil de sair dele. Exigência de posicionamentos absolutamente secundários, até o momento em que terciários de Lula. Ficam repetindo: “Ah, o Lula tem que ter uma agenda mais ampla”, “Ah, o Lula tem que ser menos à esquerda”, “Ah, e a economia digital, a ESG,

Percebam: estamos no fundo do poço da merda. Pare com essa baboseira, com essas configurações equivocadas. Não adianta ficar cobrando o impossível. E mais: Lula não é Emmanuel Macron (presidente da França). Não vai ser ele quem vai guiar o país para a economia digital. A elite cobra dele uma coisa que ele não sabe e não está capacitado para fazer. É preciso salvar o paciente primeiro. Isso é que é fundamental. É preciso sair desse civilizatório e normalizar um pequeno buraco como instituições. Depois, veja-se o resto.

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