Por Mario Marona, jornalista
O Brasil sempre foi perverso com seus excluídos. É histórico. Vem de 350 anos de exploração do trabalho escravo e mais um século de escravidão estrutural e disfarçada.
Foram poucos os períodos da história em que os pobres e os miseráveis deixaram de ser tratados como os escravizados que seus ascendentes foram, ainda que brancos: a era Vargas, um curto período de Jango e os 13 anos de Lula e Dilma.
Mas apesar da exclusão e dos maus-tratos terem sido naturalizados por uma elite ordinária e por uma classe média mau-caráter, o que está acontecendo agora, no dramático momento de uma epidemia, é de uma crueldade inominável e abjeta.
Mais de 30 milhões de brasileiros estão sendo submetidos à tortura de se esforçar inutilmente para receber míseros 600 reais doados pelo governo para que possam comprar comida.
Estão presos a um labirinto de omissão e pusilanimidade do governo, da mídia e do Judiciário, que assiste a tudo calado.
Trinta milhões de brasileiros que não sabem se cadastrar pela internet para ter direito aos 600 reais.
Trinta milhões – desempregados, sem qualquer renda, com filhos e dependentes – que só usam seus celulares pré-pagos para receber ligações dos que tiverem serviços a lhes oferecer e que, portanto, não usam internet exceto para entrar no zap.
Trinta milhões que formam filas enormes nas agências da Caixa ou da Receita, neste caso para regularizar CPFs que nem sabiam que estavam cancelados, e que são avisados, depois de uma noite de espera na calçada, que não serão atendidos porque o pagamento será feito exclusivamente via internet.
Uma gerente da Caixa apareceu ontem no Jornal Nacional, usando um megafone, para avisar aos coitados, em tom de voz severo e impaciente: “Não adianta fazer fila porque vocês não serão atendidos”.
Qual foi a reação do JN diante de tal barbaridade? Dizer a estes escravos do século XXI que eles não precisam se preocupar porque é muito simples se cadastrar pelo celular e que o site do telejornal tem um passo a passo fácil de seguir.
Essa gente está brincando com a desgraça alheia. Mas essa gente tem sorte, porque em alguns países, na mesma circunstância, não ficaria um tijolo em pé.
