Claudia é psicóloga, confessa que só muito mais tarde é que começou a entender a dimensão da importância do pai para o futebol de Campinas. Mas esse foi um processo que teve início quando ainda menina passeava com Zé Duarte pelas ruas da cidade só para ganhar lápis coloridos e brinquedos

No comecinho deste mês de fevereiro o telefone tocou novamente para avisar que havia acabado de chegar a seguinte mensagem:




“Oi, Helvidio. Sou Claudia, filha do Zé Duarte, ex-técnico de futebol. Sempre gostamos do seu trabalho, mas viramos mais fãs seus depois daquele Grandes Momentos do Esporte que você fez com meu pai em 1995”.

No mesmo dia, cinco horas depois, outra mensagem da Claudia:

“Helvidio, quando der, leia essa redação do meu filho. Lucas tem 10 anos, nasceu em 2010. Meu pai morreu em 2004. Em junho do ano passado ele teve que escrever uma redação sobre de quem ele tem orgulho. Olha que linda que saiu. Tudo bem que eu sou uma mãe babona, mas…”.

Para você também conhecer por quem o neto do pai da Claudia tem orgulho, reproduzo aqui o texto que ele escreveu para a escola.

HISTÓRIA DE ORGULHO

“Uma pessoa que minha família tem orgulho era do meu avô José Duarte, popularmente conhecido como Zé Duarte. Minha família se orgulha dele foi um grande técnico de futebol de Campinas e de alguns outros lugares.

Ele treinou a Ponte Preta e o Guarani. No Guarani ele foi muito bom, mas foi na Ponte onde ganhou muito respeito. Ele foi o técnico no jogo do único título da Ponte Preta no Campeonato Paulista da Segunda Divisão. Ele também é conhecido como o único técnico admirado pelos dois times rivais de Campinas.

Ele dirigiu a Seleção Brasileira Feminina de Futebol em 2 Olimpíadas, na de Atlanta em 1996 e na de Sydney em 2000. Ele treinou até mesmo a Formiga e recentemente ela deu uma entrevista e disse que depois do treino ele ficava ajudando ela a treinar chutes de esquerda.

Eu nunca conheci o meu avô, pois ele morreu há 15 anos, mas a minha mãe só fala dele. Ela diz que ele era relaxado e animado. Esse era o meu avô. Eu tenho muito orgulho dele”.

De um jeito ou de outro, a redação do Lucas foi parar nas mãos e no coração da experiente jogadora Formiga, que mandou uma mensagem em vídeo para o neto do Zé Duarte.

Em uma troca de mensagens, disse à Claudia que, depois da redação do neto, Zé Duarte merecia uma coluna no ultrajano.com.br e eu estava disposto a escrevê-la. Fiz uma única pergunta a ela, como era o pai Zé Duarte? De imediato ela mandou 18 mensagens de áudio falando de tudo o que eu precisava saber.

Bem que o filho Lucas tinha avisado em sua redação que “minha mãe só fala dele”.

Por meio da Claudia, fiquei sabendo que Zé Duarte era um homem brincalhão que se divertia contando piadas e ensinando palavrões para os sobrinhos. O filho de dona Olívia e de seu Alberto também era um “passarinheiro” e tanto e fanzoca de Martinho da Vila e Noite Ilustrada.

Com saudades, Claudia relembrou seus momentos de infância e de adolescência, do café da tarde na casa da avó, dos almoços de domingo e dos churrascos que o pai gostava de organizar e fazer. Era uma família tão unida, mas tão unida, que passaram a vida morando em casas vizinhas de uma rua do bairro do Bosque, a meio caminho entre o Brinco de Ouro da Princesa, do Guarani, e o Majestoso, da Ponte Preta. Ali na casa se reuniam avós, pais, filhos, tios, sobrinhos e netos, sem contar a imensidão de amigos que Zé Duarte sabia fazer.

Quando Claudia nasceu, em 1973, Zé Duarte era técnico do Guarani e levava Alberto, seu filho mais velho, junto com os primos para os treinos e jogos. Uma relação que se estendeu mais ainda em 1977, 1979 e 1981, com os vice-campeonatos paulistas da Ponte Preta. As meninas, Adriana, filha do meio, e a caçula Claudia, não participavam muito porque o pai não queria vê-las casadas com boleiros.

As filhas passaram a acompanhar mais o trabalho do pai quando ele foi ser técnico no futebol feminino. Ela as levava para assistir aos jogos da Seleção Brasileira e à concentração da equipe em Indaiatuba, cidade próxima a Campinas. Lá Zé Duarte costumava celebrar seus aniversários junto com as jogadoras.

Em 1969, a Ponte Preta tinha um timaço dirigido por Zé Duarte. Wilson, Nelsinho, Samuel, Henrique, Teodoro, Santos, Alan, Dicá, Manfrini, Roberto Pinto e Ézio venceram o campeonato da Segundona Paulista e conquistaram o acesso para a Divisão Principal. O único título paulista até hoje é o grande orgulho dos torcedores da Macaca.

Claudia é psicóloga, confessa que só muito mais tarde é que começou a entender a dimensão da importância do pai para o futebol de Campinas. Mas esse foi um processo que teve início quando ainda menina passeava com Zé Duarte pelas ruas da cidade só para ganhar lápis coloridos e brinquedos. Em uma mensagem de 50 segundos, a voz suave de Claudia explica que era impossível caminhar sem que alguém parasse Zé Duarte para uma conversa. De esquina em esquina, era assim. Pior quando ele entrava no banco e ficava um tempão conversando com o gerente. E ela louca para irem comprar as coisas dele e ir embora para casa.

Na reportagem que fiz com o Zé do Boné [apelido de Zé Duarte] para o Grandes Momentos do Esporte da TV Cultura, em 1995, procurei enfatizar a ligação dele tanto com a Ponte Preta quanto com o Guarani. Combinamos então de ele vestir a camisa da Ponte para descer os degraus que levavam aos vestiários do Estádio Moisés Lucarelli e reaparecer subindo a escada que dava no gramado do Brinco de Ouro da Princesa vestindo a camisa do Guarani.

Deu certo.

José Duarte faleceu em julho de 2004, aos 68 anos. Deixou a esposa, Ângela, os filhos Alberto, Adriana e Claudia e o neto Lucas, que não chegou a conhecer.

Mas não fique triste, seu Zé, onde for que o senhor esteja, saiba que seu neto tem muito orgulho do avô.