Uma pequena história da mídia brasileira, nos 50 anos da Globo

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Publicado no Jornal GGN – 

O avanço das telecomunicações, o desenvolvimento do micro ondas, abriram novas perspectivas para as redes de TV norte-americanas.




Em fins dos anos 50 elas começaram a planejar sua expansão internacional, de olho na América Latina.

Coube a Henry Luce, fundador e mentor do grupo Time-Life a grande revolução do período, que o tornou o norte-americano mais influente de sua época.

Antes da TV, Luce se consagrara com um conjunto de revistas campeãs, a Time (que se tornaria o modelo das revistas semanais de informação, espelho da futura Veja), a Life (copiada pela Manchete), a Fortune (de negócios) e a Sporteds Illustred, servindo de modelo para os novos grupos editoriais.

O lançamento da revista Time foi um divisor de águas na imprensa mundial, conferindo um novo status às revistas semanais, uma influência política sobre a opinião pública equiparável à dos grandes diários e inspirando similares em todos os países, muitos deles tendo a própria Time-Life como sócia.

O estilo Time consistia em organizar o universo (já abundante) das notícias diárias em uma periodicidade mais cômoda para o leitor – a semanal -, selecionando um universo restrito de temas, mas embalando-os de forma agradável, com um texto eminentemente opinativo que fosse compreendido pelo leitor mediano.

Henry e Clare Luce

Para obter esse alcance, havia uma simplificação de tal ordem, especialmente em cima de temas complexos.

Para conferir credibilidade ao texto, o estilo contemplava uma largo descritivo, criando diálogos imaginários, mas verossímeis, descrevendo detalhes de ambientes, passando a ideia da “onipresença” e “onisciência”. Tipo: “Salvador Allende entrou sozinho no salão do Palácio La Moneda, olhou longamente a multidão pela janela, foi para um canto, tirou a espingarda, e, com o olhar grave, encaixou-a debaixo do queixo, aguardou alguns segundos e apertou o gatilho”

Luce também inovou no modelo de negócios, ao criar uma nova empresa, a Time-Life, que se valia da grande penetração das revistas para a venda de produtos de catálogo. Tinha o perfil dos donos de mídia criados pelo novo modelo, fundamentalmente comerciantes com visão de produto.

Quanto começou a era da televisão, promoveu uma transição bem sucedida para a nova mídia tornando-se o primeiro grupo a juntar todas as formas de comunicação em um mesmo conglomerado, batizado de Time-Life Broadcast Inc

Nos anos 50, junto com as redes NBC, CBS e ABC, a Time-Life saiu à caça de parceiros internacionais, preferencialmente latino-americanos.

Em outubro de 1964, em um seminário do Hudson Institute, um dos principais executivos da Time Life explicou a fórmula de expansão das redes norte-americanas:

1. Ter posição minoritária nos países da América Latina, devido  às  leis  dos  respectivos  países  sobre telecomunicações.

2. Ter  sócios  locais,  e  “eles têm provado ser dignos de confiança”.

3. A programação diurna da   TV  será  importante  para  o  êxito comercial e poderosamente eficaz e popular.

Ao mesmo tempo, propunha uma parceria com o governo norte-americano, “como um meio de atingir o povo do continente”. Um pouco antes, apontara sua mira para o Brasil.

O mercado de mídia no Brasil

Em 1928, quando o Brasil começou a se urbanizar e a lançar as bases de um mercado de consumo mais robusto, chegaram as primeiras agências de publicidade  internacionais, com a Ayer and Son representando a Ford. Logo depois, vieram a J.W.Thompson e a McCan Erickson ao mesmo tempo em que o modelo norte-americano de concessão de rádios começava a ser implantado no país.

O ecossistema dos grupos de comunicação com seus jornais, filmes e rádios começava a ensaiar a internacionalização, de mãos dados com as grandes multinacionais do país:

1.    A rede afiliada.

2.    As agências de notícias.

3.    As agências de publicidade, sendo o elo de ligação com os patrocinadores.

4.    O Departamento de Estado, conforme se verificou na Missão Rockefeller, na Segunda Guerra.

Nos anos 40, o esforço de guerra norte-americano incluiu decididamente a parceria com a indústria da comunicação. Jornais aliados ganhavam cotas de papel mas, principalmente, o conteúdo das agências puxado pelo fascínio de Hollywood.

No início dos anos 50, a imprensa brasileira de opinião resumia-se aos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, com sua rede de jornais regionais, o Estado de São Paulo da família Mesquita e, no Rio, um conjunto de diários, entre os quais O Globo, Jornal do Brasil, Correio da Manhã, Diário Carioca.

Entre as rádios, havia a Globo, Jornal do Brasil, Mayrink Veiga e a estatal Nacional no Rio; em São Paulo o sistema Record, da família Machado de Carvalho; e os Associados espalhando-se por diversas capitais

Inaugurada em 1950 pelo pioneiro Chateaubriand rapidamente a televisão avançou sobre o bolo publicitário. Naquele ano, o meio rádio detinha 24% dos investimentos em publicidade. Em 1960 sua participação caía para 14% enquanto o novíssimo meio televisão já dominava 9% do mercado publicitário, apesar do pais possuir apenas um milhão de aparelhos receptores contra 6 milhões de rádios.

Os Associados foram os primeiros a inaugurar um canal de televisão. Seguiram-se algumas tentativas individuais, dos Wallace Simonsen, com a TV Excelsior, os Machado de Carvalho, com a TV Record, as Organizações Victor Costa, com a TV Paulista, Casper Líbero com a TV Gazeta.

Direta ou indiretamente, Luce tornou-se o fator de desequilíbrio, principal inspirador dos dois grupos empresariais que acabariam modernizando e dominando a mídia brasileira nas décadas seguintes: as Organizações Globo e a Editora Abril.

Na época, Marinho havia sido procurado pela NBC (National Broadcasting Corporation) e pela Time-Life. A sócia escolhida foi a Time-Life devido à transição vitoriosa para a televisão.

O ponto de aproximação foi a diplomata Clare Booth Luce, que se tornou figura permanente nas manchetes lisonjeiras de O Globo. Clare era esposa de Henry Luce. Escritora de sucesso, foi a primeira mulher indicada para cargos relevantes na diplomacia norte-americana.

No período em que Clare foi embaixadora na Itália, houve o lançamento do Panorama, do Time-Life em sociedade com um grupo Mondatori.

A internacionalização do grupo dava-se em torno da bandeira do anticomunismo e de alianças com algumas das mais corruptas ditaduras do mundo – a mais ostensiva foi a parceria com o casal Chiang Kai-shek, o ditador da China pré-Mao, considerado na época o regime mais corrupto do planeta.

Nomeada embaixadora do Brasil, Clare não chegou a assumir devido a problemas nos EUA justamente devido a amizades chinsas. Mas serviu de ponte para a sociedade com Roberto Marinho, firmada em 1961. Já nos anos 50, o Globo recebera substancial apoio da American Tobacoo, que inclusive colocou seu diretor financeiro, Herbert Moses, na direção administrativa do jornal. Aliás, a mesma empresa que décadas antes valeu-se do poder da imprensa norte-americana para levar o governo norte-americana à guerra contra a Espanha pela posse de Cuba.

O grupo Time-Life injetou quantia considerável no Globo, algo em torno de US$ 5 milhões da época. Com esses recursos, mais uma série infindável de privilégios – como a importação de equipamentos sem pagamento de impostos e com um câmbio especial -, a Globo logrou contratar as melhores atrações dos concorrentes.

Além disso, representantes da Time passaram o know how da programação, da comercialização, as séries-novela que fidelizavam o público diariamente, o modelo dos grandes eventos.

A sociedade ganhou velocidade após 1964 e só foi interrompida em 1971, quando Marinho adquiriu a parte da Time-Life, com o sócio incomodado pela CPI e pelas restrições do governo brasileiro.

A compra final foi uma novela à parte.

Marinho tinha sido sócio do banqueiro Walter Moreira Salles e do jornalista Arnon de Mello no Parque Lage. Quando Carlos Lacerda elegeu-se governador do Rio, mandou desapropriar o parque. Os três sócios ingressaram na justiça.

Quando Chagas Freitas foi eleito governador do então estado da Guanabara, Marinho apressou-se em negociar com ele a reintegração do parque, mas não avisou seus sócios. Pelo contrário, adquiriu a parte de Moreira Salles por valor irrisório, alegando que tinha caixa sobrando e queria apostar no parque a longo prazo.

Moreira Salles sentiu-se enganado e partiu à forra. Marinho precisava de US$ 5 milhões para quitar o empréstimo dado pelo grupo Time-Life. Na véspera do prazo fatal, Walther foi aos Estados Unidos e tentouy adquirir as ações de Roberto Marinho caucionadas para a Time-Life

Mas Robert Marinho agiu rápido e conseguiu um empréstimo com José Luiz de Magalhães Lins, que dirigia o Banco Nacional de seu tio Magalhães Pinto. Quitou o empréstimo e consolidou o controle da Globo.

Na área das revistas, Luce foi essencial também para alavancar os irmãos Civita – dois ítalo-americanos que aportaram no Brasil e Argentina, respectivamente, sem capital e com a intenção de explorar o mercado de revistas.

Civita tinha sido empregado do grupo Time-Life e chegou ao Brasil sem dispor de maiores capitais, enquanto um irmão ficava na Argentina.

Em pouco tempo, a Editora Abril, do Brasil, e o Editorial Abril, da Argentina, lançaram 19 títulos de revistas. Na Argentina, seguindo a fórmula Time o carro-chefe tornou-se a revista Panorama – que ostentava na capa a parceria da Abril com a Time-Life. No Brasil, a revista Veja.

No final dos anos 60, com a doença de Assis Chateaubriand e a crise dos Associados, a Globo assumiu a liderança na TV aberta e a Abril a do mercado de revistas.

O mercado de opinião passou a ser dominado por ambos, mais alguns jornais tradicionais – como o Jornal do Brasil no Rio e o Estado de São Paulo. Nos anos 80, graças ao gênio de Otávio Frias, a Folha entrou nesse Olimpo, transformando-se no mais influente jornal brasileiro, mas longe dos modelos contemporâneos da Globo e da Abril.

O JB desaparece com problemas de má gestão. E a entrada do Brasil na era da Internet se dá com a mídia tradicional sendo liderada pelo grupos dos 4: Globo, Abril, Folha e Estadão. Nenhum deles chegando perto do poder da Globo

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