Claudio Lovato Filho, jornalista e escritor –
Já vi de tudo aqui neste estádio: decisões em que não cabia mais uma pessoa, nem pendurada no holofote, o pau comendo solto entre torcedores, foguetórios, jogos extraordinários disputados por grandes jogadores, partidas horrorosas com estádio vazio. Tudo.
Vi surgirem heróis, vi veteranos serem crucificados. Vi gandulas passarem instruções para jogadores, vi um jovem zagueiro vomitar no reservado, de tão nervoso, ao ser chamado pelo técnico para entrar em campo. Vi o capitão do nosso time, lateral da seleção, dar um murro na cara do juiz e sair caminhando de campo de cabeça baixa, para nunca mais voltar. Vi a torcida cantar o hino do clube em derrotas com muita luta, vi revoltas mesmo com vitórias. Vi de tudo.
Hoje, apesar dos cabelos brancos e do passo incerto, continuo a aparecer por aqui. Já vibrei muito mais, é verdade. Acho que, com o tempo, a gente se aquieta um pouco, não se exalta tanto, fala menos, observa mais, pensa. E gosta de ficar relembrando.
Fui menino aqui neste estádio, fui adolescente, me tornei adulto e fiquei velho. Mas isso aqui nunca deixou de ser a minha paixão. É a minha segunda casa. Ou a primeira, nem sei ao certo.
Daqui a mais um tempo vou iniciar a minha campanha para me deixarem assistir um jogo, só um jogo, lá do banco de reservas. Vou tentar falar com algum conselheiro, sei lá com quem. Pode ser um jogo qualquer, numa quarta-feira de meio de campeonato, estádio vazio, em noite de frio e chuva.
Quero fazer isso antes que chegue a hora em que eu não tenha mais condições de vir ao estádio, antes que eu vá para uma cama de hospital ou que eu caia bem no meio da cozinha enquanto faço o meu café. Um jogo qualquer. Quero levar essa lembrança comigo quando chegar a minha hora.
Não é nada de mais, mas é o que eu quero. Cada um tem as suas vontades e se, para os outros, isso parece uma coisa besta, bom, paciência, cada um sabe o que lhe vai na alma.
Quero me sentar lá e lembrar de quando eu era criança, na arquibancada, quero me lembrar dos meus primeiros jogos no estádio, ao lado do meu avô, que era um pai para mim, e que, quando se foi, me fez compreender de um jeito definitivo o que é se sentir sozinho. E quero me lembrar dos tempos que vieram depois disso, quando aprendi que sempre vai haver alguma coisa mais adiante, talvez numa quarta-feira qualquer, e que é preciso acreditar que sempre vai valer a pena esperar por isso.