Por UnB Ciência, publicado em Projeto Colabora –
Produto desenvolvido no Instituto de Química registrou ganho de 20% em testes feitos com alface e tomate
(Por Marcela D’Alessandro) – Produtividade alta, nada de resíduos e consumo mínimo de água e energia: essas são algumas características da nanopartícula desenvolvida por estudantes de doutorado e professores do Instituto de Química (IQ) da UnB, que promete ser uma revolução no mundo dos biofertilizantes. Puro, atóxico, não bioacumulável e luminescente, esse produto é capaz de enriquecer alimentos com micro e macro nutrientes e aumentar as produções de diversas culturas. Em testes feitos com tomate e alface, por exemplo, houve ganho de cerca de 20% na produtividade.
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“Temos algo puro [sem adição de outros compostos químicos] que pode ser produzido em larga quantidade”, afirma o professor de química inorgânica Marcelo Oliveira Rodrigues, que atualmente está em missão científica para o projeto intitulado Materiais com Luminescência Persistente para Aplicação em Dispositivos Fotovoltaicos e Geração de Energia no Escuro, na Universidade de Nottingham, na Inglaterra, com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). “Junto com o professor Daniel Zandonadi, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e o professor Jader Busato, da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da UnB, conseguimos entender como é o mecanismo dentro da planta, a rota bioquímica. Esse é um grande diferencial”, completa.
Segundo Rodrigues, com a nova tecnologia, o grupo observou incremento nas taxas de fotossíntese em cerca de 60% e aumento no lançamento de raiz, que é o crescimento de novos ramos nas laterais da raiz original, que varia conforme a cultura – no caso do tomate, em torno de 130% e no do cacau, 60%. “É um material de alta performance, leve e puro”, aponta.
O professor destaca ainda que hoje a nanoagricultura está centrada no uso de nanomateriais a base de polímeros, óxidos metálicos, nanopartículas metálicas, como ouro e prata, que são tóxicos para a biota – conjunto de seres vivos – terrestre e aquática e bioacumulam (no caso de frutas, acumulam por três a quatro gerações), além de dificultarem o processo de escalonamento, que é a produção industrial.
Com o material produzido na Universidade de Brasília, esses problemas ficam para trás. “Ao longo dos anos, fizemos testes de toxicidade em peixes, camundongos, bactérias, fungos, insetos, larvas. Nós conseguimos superar todos esses limites e hoje posso dizer que temos o bioestimulante mais potente do mercado”, garante Marcelo Rodrigues.
Outro diferencial do novo produto é o volume que deve ser aplicado nas plantas: como se trata de material puro, a quantidade é muito menor que o habitual. Os biofertilizantes atualmente utilizados no mercado, segundo o docente, são uma mistura complexa, que engloba extrato de microalgas, micro e macronutrientes, aminoácidos. “Não se sabe exatamente o mecanismo de ação desses produtos, o que está ativando a fotossíntese etc.”, conta. “Por outro lado, conhecemos todos os mecanismos de ação da nossa tecnologia e isso facilita na hora de fazer ajustes na formulação visando potencializar ainda mais os efeitos. É completamente diferente do que está sendo vendido. É revolucionário”, avalia o professor.
Trabalho em parceria
A nanopartícula foi desenvolvida nos laboratórios da UnB e validada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Quando escutou pela primeira vez as ideias de Marcelo Rodrigues, o pesquisador de solos e nutrição de plantas da Embrapa Hortaliças Juscimar da Silva viu a oportunidade de desenvolver algo único em conjunto com a equipe do IQ. “Falei, brincando, que tínhamos um produto que, diante de suas propriedades, era como um sol dentro da planta. Ele recebe a luz que a planta não utiliza para fazer a fotossíntese e a emite naquele comprimento de onda de que ela precisa. E isso pode aumentar a eficiência fotossintética”, explica Silva, que disponibilizou recursos de pesquisa do órgão e atuou ativamente junto ao grupo para desenvolver e atestar a tecnologia.
Especialista na área, o pesquisador da Embrapa ressalta as qualidades do produto diante do que há no mercado. “Além de funcionar ativando rotas metabólicas secundárias na planta que a ajudam a se desenvolver, com aumento de eficiência do uso da água, aumento da taxa fotossintética, e, obviamente, um uso mais eficiente de nutrientes, também funciona como um carreador de outros nutrientes, então pode trabalhar a melhoria da nutrição humana. Essa multifunção do produto talvez seja o grande diferencial dele no mercado, junto com a explicação do mecanismo de ação.”
Carime Rodrigues, doutoranda de apenas 24 anos de idade, integra a equipe do Laboratório de Inorgânica e Materiais Professor Gilberto Sá (Lima) do IQ, e vislumbra ainda outras possíveis consequências positivas com a aplicação da tecnologia desenvolvida por eles. “Nosso sonho é conseguir aumentar a produtividade de áreas desmatadas. Como temos experiência na área de engenharia de superfície da nanopartícula e também conseguimos introduzir nutrientes nos alimentos, isso teria impacto significativo na erosão alimentar”, projeta ela, que é bolsista da Capes. Erosão alimentar é o empobrecimento nutricional dos alimentos, que contam basicamente com carboidratos em sua composição.
“A ideia é enriquecer alimentos com micro nutrientes essenciais para o ser humano, como selênio, zinco. Reduzir um pouco a erosão alimentar e aumentar a nutrição humana”, completa Rogério Faria, que veio de Minas Gerais para cursar mestrado e doutorado na Universidade de Brasília e tem bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O grupo do IQ acrescentou micro e macro nutrientes no biofertilizante criado por eles, testou em plantações e viu resultado. “Observamos lançamento de raiz lateral, intensificação da clorofila (ficou mais verde)”, rememora Faria.
Com a validação da tecnologia pela Embrapa, o desafio passou a ser o escalonamento do que até então era apenas um experimento de bancada de laboratório. Assim nasceu a startup Krilltech, empresa pré-incubada desde 2018 no Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico (CDT) da UnB. Os sócios são todos do Instituto de Química da UnB: os professores Marcelo Oliveira Rodrigues e Marcelo Henrique, e os estudantes de doutorado Ataílson Oliveira, Rogério Faria e Carime Rodrigues.
As patentes estão escritas e em fase de depósito. O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações demonstrou interesse e está ajudando nesse processo. Somente após a conclusão, a empresa poderá ir atrás do registro para comercializar o biofertilizante inovador. “Essa tecnologia tem muito potencial para diversas áreas. Se nossa empresa der certo, vamos levar o nome da UnB para todos os lugares que conseguirmos alcançar, afinal a pesquisa foi toda desenvolvida aqui”, afirma Carime Rodrigues. “Agora precisamos muito da ajuda da Universidade, porque buscamos um espaço para produzir”, conta. Segundo ela, há especificidades em termos de legislação e alvará para a produção de fertilizantes.
Para dar continuidade aos trabalhos, o grupo vislumbra a possibilidade de usar algum local dos outros campi da Universidade, pois o Darcy Ribeiro é localizado no Plano Piloto, que é tombado e, por isso, há impedimentos para se ter uma fábrica de fertilizante. “Nós produzimos em qualquer lugar, só precisamos do espaço”, assegura a estudante. “Esta é a empresa do futuro”, afirma Marcelo Rodrigues.
Saúde humana
Há cerca de sete anos, o grupo do IQ iniciou os estudos com nanotecnologia. Entre 2014 e 2015, o foco era o combate ao câncer por meio de drug delivery, o carreamento de fármacos para o tratamento da doença. Carime Rodrigues desenvolveu o veículo, que seria o transporte da anfotericina B – antifúngico muito usado em casos de infecção hospitalar e de leishmaniose – por meio da nanopartícula em questão.
Segundo a pesquisadora, a anfotericina, como é usada hoje, é muito tóxica e os pacientes têm muitos efeitos colaterais, que também têm de ser tratados – e tudo fica muito caro no final. Ela aponta que, de acordo com estudos de 2016, o tratamento de um único paciente por duas semanas com esse antifúngico e outras medicações necessárias chega a custar R$ 350 mil para o Estado. “Batemos à porta do Ministério da Saúde, dissemos que tínhamos uma formulação menos tóxica e muito mais barata de anfotericina, que é com esse carreador, essa nanopartícula, mas precisamos de dinheiro, porque esses testes são caros e precisamos fazê-los em animais de médio porte e depois, em humanos. Mas a verba nunca chegou e isso faz anos”, relembra ela.
“Desenvolvemos uma formulação que reduz o custo do fármaco para US$ 10. Se comparar, no mercado custa em torno de R$ 40 mil. Infelizmente não conseguimos chegar na parte dos testes em humanos, porque toda a parte de pré-clínico tem que seguir o protocolo da Anvisa e tem que ser com laboratório certificado. Ficamos frustrados porque não conseguimos recursos para avançar”, conta Marcelo Rodrigues, orientador de Carime desde o mestrado.
Sem financiamento, os pesquisadores começaram a mudar o olhar sobre suas descobertas. “Diante da possibilidade de esse veículo carrear um fármaco, pensamos: por que não carrear micro e macro nutrientes para uma planta? Seria menos burocrático, pois a legislação é menos rígida no setor de fertilizantes. Então começamos a migrar esse veículo desenvolvido para aplicar na agricultura”, explica Rogério Faria. Assim decidiram fundar a startup KrillTech.
Mas atuar para aprimorar as condições da saúde humana ainda é um desejo do grupo, segundo Carime. “Ainda é um sonho, porque ninguém tem dinheiro para investir, mas temos esse ideal”, admite. “Temos esse sonho muito forte de ver nossa pesquisa tendo impacto social e fazendo a diferença. Infelizmente investimento público é difícil. O andar da pesquisa já é lento e se for esperar investimento público, ela praticamente para.”
O professor Marcelo Rodrigues ressalta, porém, que para chegarem aos produtos que têm hoje e ao avanço tecnológico apresentado, contaram com financiamento público. “Capes, CNPq, FAP-DF foram fundamentais para que conseguíssemos desenvolver as primeiras pesquisas, entender como tudo funcionava e, a partir daí, partíssemos para o escalonamento de processo e para a produção como temos hoje”.
*UnB Ciência – Secom/UnB