PT e bolsonarismo são cúmplices de chacinas.
De The Intercept Brasil, compartilhado de HOJE AMAZÔNIA
Um preto brasileiro é alguém que vive com alvos desenhados na cabeça, no peito e nas costas, mesmo que ignore isso. O corpo não lhe pertence. A caminhada não importa. Não interessa se saiu de casa para comprar macarrão, se portava um guarda-chuva ou ainda se estava a caminho da escola.
Sejamos sinceros: nenhum preto é confundido com um bandido, todo preto brasileiro é tratado como bandido. Nem é preciso qualquer pretexto para que se transforme em um cadáver cujo sangue escorre na rua, dentro de casa ou de um caveirão, na geladeira do IML.
O Brasil não precisa legalizar a pena de morte, aplicada em ritos sumários nas periferias. Nos últimos dias, policiais militares mataram ao menos 45 pessoas na Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. A lucrativa guerra às drogas é a desculpa institucional para controlar os brasileiros pobres nas favelas do país.
Os governadores desses estados são cúmplices dessa matança porque endossam a letalidade policial. Da esquerda petista à extrema direita bolsonarista.
Governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues é indígena e foi eleito pelo PT, partido que controla o estado há 20 anos. E a Bahia é líder nacional em números absolutos de pessoas mortas pelas polícias, de acordo com dados do Fórum de Segurança Pública. Foram 1.464 óbitos no ano passado. Quase todos os mortos eram pretos.
O governo baiano emitiu uma nota vergonhosa em que afirma que todas essas pessoas eram “homicidas, traficantes, estupradores, assaltantes, entre outros criminosos”. Reparem no argumento implícito: se são criminosos, eles devem morrer e foda-se o devido processo legal.
Dias depois, os PMs baianos fuzilaram 19 pessoas. Jerônimo não abriu a boca até agora, mas já posou para foto com o romance Torto Arado, do também baiano Itamar Vieira Júnior.
O também petista Rui Costa, antecessor de Jerônimo e atual ministro da Casa Civil de Lula, disse em 2015, durante a chacina policial no Cabula, que policiais militares que matam eram “artilheiros diante do gol”. Nunca se matou tanto preto na Bahia quanto no governo de Rui Costa, um político que cresceu na Liberdade, o bairro símbolo da cultura negra de Salvador.
No Guarujá, litoral sul de São Paulo, o campeonato de matar pobres resultou na contagem de 16 mortos, até o momento em que escrevo esse texto. A morte de um policial em um confronto foi a senha para que qualquer pessoa nas favelas da cidade corresse o risco de ser vista como caça e tivesse seu nome vilipendiado após a morte ao ser caracterizado como bandido.
O homem branco Tarcísio de Freitas, bolsonarista nunca moderado, fez uma campanha em que um homem desarmado foi assassinado por membros de sua equipe de segurança, segundo testemunhas que eu ouvi. A investigação foi arquivada.
Depois que inocentes foram abatidos a tiros no Guarujá, ele reafirmou seu compromisso com a morte ao dizer que os assassinatos cometidos pela PM eram “efeito colateral”. Ele é assessorado pelo Guilherme Derrite, secretário de segurança pública que conseguiu a proeza de ser afastado da Rota, a equipe de elite da PM paulista, por matar em demasia. Derrite foi indicado ao cargo pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro.
As polícias militares no Brasil são instituições sem qualquer controle institucional que agem sob a cumplicidade não só de governadores, mas também de membros do Ministério Público omissos em exercer a função constitucional de controle e fiscalização dos atos policiais.
E, nós, que integramos a chamada sociedade civil, também somos cúmplices. Estamos anestesiados com tantas mortes. Clamamos por justiça nas redes sociais porque talvez seja uma justificativa para nós mesmos que estamos fazendo alguma coisa. Escrevemos que “a polícia militar tem que acabar” e esquecemos que o policial é algoz e vítima desse círculo macabro.
Novas chacinas irão acontecer. A roda da morte precisa girar. Novos pretos irão ser enterrados nos cemitérios, enquanto seus parentes vão chorar escondidos dentro de casa. Os políticos ganharão aplausos e votos ao lavar as mãos com sangue de gente inocente e continuaremos a perguntar quando isso vai acabar.
Flávio VM Costa
Editor-chefe- Intercept Brasil