Universidade Gama Filho: a demolição de uma história

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E a coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista, nos fala da demolição de prédios de uma universidade falida no Rio de Janeiro. Diz o César: “Deve ser estranho passar por ali e não ver mais nada dos prédios onde muita gente estudou para, ingenuamente talvez, ser alguém na vida. É um dente a menos na boca banguela do subúrbio.”

“A Universidade Gama Filho ficava no centro de uma região razoavelmente grande que vai do Nise da Silveira até o NorteShopping; isto é, do Engenho de Dentro até o Cachambi, um xis de tesouro de pirata formado pela linha do trem e pela Linha Amarela.





Eu não estudei na Gama Filho. Para mim, ela era apenas uma visão bonita, uma paisagem útil, um conjunto de blocos de concreto cercados de vidro, um patrimônio do subúrbio carioca. Sua imponência constratava com a singeleza do casario dos arredores.


Certa vez fui até a biblioteca das Letras da Gama Filho em busca de “O Rumor da Língua”, livro de Roland Barthes que não tinha na Uerj nem em lugar nenhum. Por sorte, A GF tinha. Saí das dependências do prédio central com aquela edição portuguesa nas mãos, atravessei a rua e fui a uma Xérox, onde pedi para fotocopiar o livro inteiro. Voltei e agradeci ao bibliotecário, que acertou se me imaginou um sujeito um tanto fora dos eixos.


Acho que ainda tenho o calhamaço até hoje comigo, não consegui dele me desvencilhar como fiz com uma parte significativa das cópias que tirei, inclusive de língua inglesa e de suas literaturas. Eu ainda gosto de Barthes e dos Beatles.


Nos últimos anos, passar pela região da Gama Filho estava sendo uma tarefa triste. As lembranças dos arredores eram muitas e algumas desagradáveis. Porém, delas eu não podia me afastar, pois, para chegar até a casa de minha mãe, no Engenho Novo, tenho que passar pela região da Piedade, seja de carro, de ônibus ou de trem. Dava dó ver uma instituição aparentemente tão sólida em ruínas, sem que ninguém me explicasse o que ocorreu para que desabasse o monumento.


Enquanto a hera crescia pelos prédios da Gama Filho, nas minhas andanças, eu não deixava de perceber a especulação imobiliária na região ocorrendo a todo vapor, creio que devido à proximidade que a localidade tem com a Linha Amarela e dali para a Barra da Tijuca e Recreio, com seu mar de prédios. É, é o tal do progresso. Ou como diria Aldir Blanc, o “pogresso”.


Deve ser estranho passar por ali e não ver mais nada dos prédios onde muita gente estudou para, ingenuamente talvez, ser alguém na vida. É um dente a menos na boca banguela do subúrbio. Eu passarei por lá este domingo no caminha para a casa de minha mãe.


De minha parte, sendo racional, não havia mais o que fazer com a Gama Filho. Não se volta ao que se acabou. A ideia de um parque nas redondezas é tacada de mestre do Eduardo Paes. Qualquer espaço público destinado ao lazer é melhor do que nenhum, ainda mais por estas bandas.

O coreto ainda está de pé; meu coração é que tem traquejado um pouco. Meu coração não é racional.”

Sobre o autor

Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.

Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019) e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.

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