Por Marita Boos, p
Projeto premiado de estudantes da UFPA reaproveita água da chuva para uso doméstico, por meio de um sistema de cisternas
O nome não poderia ser mais apropriado. Por ser em tupi-guarani, carrega ainda a tradição da Região Amazônica. Batizado de Amana Katu (chuva boa), o projeto de estudantes da Universidade Federal do Pará (UFPA) tem o propósito ambicioso de universalizar o acesso à água potável na Amazônia, reaproveitando a que vem do céu, de forma econômica e muitas vezes gratuita. De setembro de 2017 até este mês, calculam ter captado 740 mil litros de água da chuva para uso doméstico, por meio de um sistema de cisternas que fabricam e instalam, com a ajuda de jovens em situação de risco social.
Para explicar a motivação do projeto, os alunos, que integram o time Enactus/UFPA – organização internacional que apoia universitários interessados em usar o empreendedorismo como ferramenta para o desenvolvimento social -, costumam usar o substantivo paradoxo. O paradoxo que vivem milhões de pessoas na Região Amazônica – cujo índice pluviométrico anual médio é de 2.300mm, segundo o Inpe -, cercadas por água de rios, lagos, áreas inundáveis, mas sem acesso ao produto potável. Com um tema tão sensível em todo o mundo, o Amana Katu vem chamando a atenção e já conquistou 12 premiações, como o primeiro lugar no World Water Race 2018, competição mundial de financiamento de projetos que cuidam da água do planeta.
“O Amana Katu, que já é um negócio social, tem como objetivo universalizar o acesso a água por meio de tecnologias sociais de baixo custo, de fácil instalação, e também o empoderamento dos jovens da periferia, dando a eles a oportunidade de acessar o ensino superior”, explica o vice-presidente de projetos do time Enactus/UFPA, o engenheiro de produção e aluno de mestrado em engenharia civil na UFPA Wilson Costa. O AK, como também é chamado, está alinhado aos ODS 6 (água limpa e saneamento), 8 (empregos dignos e desenvolvimento econômico) e 4 (educação de qualidade).
Uma doação a cada cinco vendas
O preço de venda do sistema é de R$ 550,00. Segundo Costa, 52% mais barato do que qualquer outra tecnologia de captação de água pluvial. São diversos critérios de redução de custos. As bombonas (uma espécie de galão) que servem de cisterna para a água recolhida, por exemplo, doadas pela empresa Mariza Alimentos, são lavadas e reutilizadas. A facilidade de instalação do equipamento também é um fator. O dinheiro da venda é reinvestido no projeto e uma parcela vai para o pagamento dos jovens que participam da construção do equipamento – cinco por turma.
A cada cinco sistemas vendidos, um é doado. Até maio, as vendas ainda eram poucas, média de quatro por mês. Mas agora em junho, já foram 36. O AK, desde setembro de 2017, beneficiou direta ou indiretamente cerca de 900 pessoas, de acordo com os cálculos dos universitários. Muitas dessas pessoas são populações ribeirinhas, de ilhas próximas à area urbana de Belém. O Amana Katu pretende estender as vendas por todo o país. Nesse processo, vem sendo ajudado pela aceleradora da Ambev.
Uma cisterna AK tem capacidade para armazenar 240 litros de água, sendo possível sua expansão por módulos. Ela é acoplada ao sistema de calhas das casas. A água da chuva passa por barreiras sanitárias, como o filtro grosseiro para tirar as sujeiras maiores e o filtro industrial. Também é recomendada a aplicação de pequena quantidade de cloro. A manutenção é simples, com limpeza duas vezes por ano.
Incentivo também ao acesso ao nível superior
Outro grupo de beneficiados são os jovens que participam do AK, do Movimento República de Emaús, de Benguí, bairro da periferia de Belém. Eles são capacitados, trabalham na confecção dos sistemas e recebem um percentual por produto vendido. Segundo Wilson Costa, esses jovens moram em uma região com baixo índice de qualidade escolar, mas muitos sonham com a universidade, e o que recebem com o trabalho pode ajudar a que invistam nos estudos. O projeto ainda promove ações de carreira visando o acesso ao ensino superior.
O líder do Amana Katu, Edson Leão, disse que as famílias ribeirinhas beneficiadas pelas doações foram escolhidas durante visitas dos alunos a comunidades da periferia de Belém ou por indicação de parceiros. Ele acrescentou que a comercialização do produto está sendo feita pelas redes sociais do projeto (https://www.facebook.com/AmanaKatu/ e https://www.instagram.com/amanakatu/). O boca a boca digital ajuda o trabalho intenso de comunicação e marketing do AK, que tem sido objeto de interesse da mídia. “No momento estão envolvidos no trabalho dez alunos de diferentes áreas da engenharia, mas nas fases iniciais, havia estudantes de graduações diversas como direito e ciências contábeis”.
O professor de Administração da UFPA Augusto Lacerda é o professor conselheiro do time Enactus da universidade. Ele atua como elo do grupo com a administração superior da UFPA, costura parcerias estratégicas, aconselha integrantes em processos decisórios mais complexos, e dá apoio ao presidente, vice-presidentes e líderes de projetos e áreas do time. “As universidades têm realizado, do fim ao cabo, um trabalho vigoroso em prol do bem estar social. E os times Enactus são icônicos nesse sentido, pois atuam diretamente junto às comunidades e sempre voltados para o atendimento de um ou mais ODS”.
Para o professor, os cortes na verba das universidades anunciados pelo governo federal não são novidade na seara da educação pública: “Já sofremos com eles há alguns anos. O que ocorre agora é que, diferentemente dos anteriores, o corte atual não restringe ou dificulta o nobre trabalho das universidades públicas. Simplesmente inviabiliza a nossa atuação em diversas frentes”. Augusto Lacerda acredita que atividades fundamentais (“para a comunidade universitária e para a sociedade”) podem ser encerradas. “Sem educação, não há inovação. Não há desenvolvimento. Ou seja, o que se alega como argumento cabal (cortar para avançar) é digno de risos. É justamente o contrário: esse corte implica em retrocessos mil”.
O presidente do time Enactus/UFPA e acadêmico de direito, Noel Orlet, destaca o papel da universidade pública na formação social, profissional e cívica dos alunos. “Temos uma quantidade enorme de programas, de projetos de extensão, de pesquisa, que não existem nas universidades privadas. Já estive em universidade particular pelo Pro-Uni, e é nítida a diferença”. Ele teme que os cortes anunciados atinjam os projetos de pesquisa e de extensão e prejudiquem o desenvolvimentos dos estudantes, em todos os níveis. Para Orlet, a universidade pública contribui ainda ao garantir o encontro de pessoas de diferentes classes sociais, de diferentes regiões do estado e do país. “Aqui na universidade pública, na UFPA, elas têm a chance de dialogar, de se conhecer, e assim fortalecer a sua própria formação. A universidade pública é fundamental”.
Projeto premiado
A iniciativa do Amana Katu vem sendo reconhecida desde o seu começo. Conquistou parcerias e doações, venceu concursos e editais, recebeu apoio de aceleradoras. Grandes empresas se interessaram no projeto, criado para participar World Water Race 2017, competição que venceu em 2018. Isso porque o primeiro foco do AK eram famílias urbanas e com tecnologia mais cara. Não foi adiante na competição de 2017.
Interessados em participar do Desafio Inove+, competição de soluções inovadoras para alunos de graduação e pós-graduação do Pará, em agosto de 2017, os estudantes refizeram o projeto. Começaram a estruturar o modelo de negócio, os objetivos e metas. Analisaram o paradoxo da água na Região Amazônica e encontraram o perfil que queriam.
O primeiro sistema foi construído com ajuda da BR da Costa Engenharia, que doou a matéria-prima. Ao vencer o Desafio Inove+, receberam R$ 2,5 mil para serem usados como verba inicial. Assim, entre outras ações, compraram as primeiras ferramentas e fizeram a manutenção de centro de empreendedorismo do Emaús. Logo depois, ganharam o edital da Ford C3 em parceria com a Enactus, e a premiação foi de U$ 5 mil para serem investidos o Amana Katu. O tema do edital era “Construir Comunidades Sustentáveis, Mobilidade Inteligente ou Mobilidade Social”.
Com tantas premiações, o projeto está se bancando – recebeu também U$ 45 mil do World Water Race 2018. “Ainda não atingimos o break even, que é quando as vendas conseguem pagar os custos”, informou Wilson Costa. Mas o aumento de 77% nas vendas de maio para junho é um indicativo de que muita água boa ainda vai rolar.