Mais um dia na coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista. Nesta segunda, César aborda de uma forma muito singela O Dia dos Pais, que foi no domingo. Como bom professor, César sempre está atento á pontualidade, mas como um jornalista relapso com o tempo, eu, Washington Araújo, não publiquei o texto no dia devido. Mas saio pela tangente naquela de que o Dia dos Pais é todos os dias.
Vamos ao belo texto do César Cícero.
“PH tem seus sete, oito anos. Eu o vi meio tristonho, mais que o normal. PH é um aluno que tem uma alegria enorme e uma tristeza profunda, como quem já contém multitudes. Quem disse que criança não entende?
PH uma vez me disse que não tinha pai.
Eu já fui criança, eu sei. Percebi que não adiantava exigir do PH o esforço de copiar do quadro meus desenhos sobre comida saudável. O dia estava lindo. Um sol que nos trazia à memória dias mais felizes, um sol que nos aquecia sem nos queimar. O sol, o sol, o sol.
Tomei a decisão. Chamei o PH e lhe disse que ele poderia ficar um tempo fora de sala de aula. Ele nem pestanejou. Foi lá pra fora, já mais serelepe, feito passarinho que abre as asas ao sol.
Voltei à sala e disse à turma, de um jeito que eles entendessem, que era melhor que o PH ficasse lá fora com seus botões. Pelo menos por um tempo.
Ninguém me pediu para sair. E seguimos a desenhar morangos, brócolis, laranjas e hortaliças. Um arco-íris de cores e sabores, PQP!
Voltei à porta da sala, o PH estava todo encolhido: “Psiu, PH, você não sabe que eu gosto muito de você?”, lhe confidenciei. Era verdade, é muito difícil para mim não gostar de criança: eu que choro até em comercial de pastilhas, eu que sou duro com os adultos, com crianças, só sou.
As lágrimas brotaram dos olhos do PH: lágrimas que pareciam deslizar como as do urso Misha (das longínquas Olimpíadas de Moscou, em 1980. Vai lá no YouTube, chuchu!). A gente só não se abraçou por culpa minha. Se o abraçasse, eu desmaiava.
O PH é uma parada. É PHD em chantagem emocional que nem aquele gato do Shrek. Mas de vez em quando vale a pena ceder. Ele já era mascarado antes da obrigatoriedade das máscaras.
Depois da comovente cena, o PH me pediu um instantinho para ir à quadra. Nada entendi. Nada disse. Esperei.
Quando PH voltou foi para me dizer que tinha ido falar com o pai (mais um!), o professor de Educação Física, que não pôde cair na esparrela dos truques dos olhos úmidos por estar ocupado com outra turma. PH entendeu que os pais são assim, mesmo os inventados.
Eu escrevi esta história para lhes dizer que paternidade é phoda. Saio da cena do texto doido para comer um churrasco à moda gaúcha – afinal, comida saudável é boa para dar aula, mas todo dia enjoa. Só não deu no domingo, Dia dos Pais. As churrascarias estiveram lotadas, por suposto.
Sobre o autor
Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.
Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019) e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.