Por Rogério Tomaz Jr.*, compartilhado da Revista Fórum –
Mujica, sim, vai deixar no próximo mês o mandato para o qual foi eleito em outubro de 2019. Daí para dar como fato consumado que ele vai “deixar a política” é preciso ignorar a trajetória e a personalidade do ex-guerrilheiro tupamaro
Em 2014, por conta de uma declaração registrada ao pé da letra numa entrevista em Brasília, a direita global comemorou a suposta “negação” do livro “As veias abertas da América Latina” pelo seu autor, o uruguaio Eduardo Galeano. Uma mentira que ainda não foi devidamente desmontada.
Agora, nesse 2020 pandêmico, anunciam a “saída da política” de José “Pepe” Mujica usando o mesmo expediente: reproduzir ao pé da letra uma declaração do ex-presidente e atual senador do Uruguai.
Mujica, sim, vai deixar no próximo mês o mandato para o qual foi eleito em outubro de 2019. Daí para dar como fato consumado que ele vai “deixar a política” é preciso ignorar a trajetória e a personalidade do ex-guerrilheiro tupamaro, cuja vida no cárcere foi muito bem retratada pelo ator espanhol Antonio de la Torre no excelente filme “Uma noite de 12 anos”.
Pepe Mujica é uma daquelas pessoas a quem cabe muito bem o apelido “animal político”, que denota ao mesmo tempo dedicação integral e qualidade no exercício cotidiano da militância. Após terminar a sua gestão em março de 2015 com quase 70% de aprovação, seguiu todos esses anos atuando como senador, como dirigente e como militante comum da Frente Ampla. A experiência e os cuidados com a saúde o levaram, inclusive, a resistir aos apelos de lançar-se novamente candidato a presidente no ano passado.
Embora seja triste vê-lo se recolher mais para tratar da sua doença autoimune, todos no Uruguai – inclusive seus opositores – sabem que ele continuará sendo uma das principais vozes da Frente Ampla e do seu partido, o Movimento de Participação Popular (MPP), o maior dentro da coalizão de centro-esquerda.
É óbvio que uma doença autoimune crônica numa pessoa de 85 anos desperta bastante preocupação. Por conta da enfermidade, aliás, ele não poderá tomar as vacinas para o Covid-19 que devem ser liberadas nos próximos meses.
Entretanto, até o momento, o seu quadro de saúde não apresenta qualquer sinal de gravidade e o que ele precisa é evitar a exposição e o nível de desgaste que um mandato parlamentar e a militância diária exigem.
Fiquemos tranquilos, portanto. Não é necessário nenhum alarmismo. O querido Pepe Mujica seguirá falando, dando entrevistas – coisa que ele aumentou bastante durante a pandemia – e inspirando a luta pela construção de um mundo verdadeiramente justo, livre e igualitário.
Mais detalhes sobre o assunto neste vídeo:
*Rogério Tomaz Júnior é jornalista brasileiro, residente em Mendoza, onde faz mestrado em Estudos Latinoamericanos na Universidade Nacional de Cuyo. Mantém um canal no Youtube (www.youtube.com/rogeriotomazjr) no qual fala de política da América Latina e outros assuntos. No Twitter: @rogeriotomazjr