USP inaugura exposição de obras artísticas realizadas por presos políticos em presídios da ditadura militar

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Pinturas, colagens, gravuras e desenhos produzidos por presos políticos nos cárceres da ditadura militar compõem a mostra Imagem Testemunho que será inaugurada nesta quinta-feira, 27, às 19h, na USP da rua Maria Antonia, no centro da capital paulista.

Por Lúcia Rodrigues, compartilhado de Holofote Notícias




A exposição faz parte das comemorações que marcam os 30 anos da reinauguração do prédio da USP da Maria Antonia, em 1993, após ter sido destruído por membros do CCC, o Comando de Caça aos Comunistas, e estudantes de extrema direita do Mackenzie em 1968.

As 37 obras produzidas por 12 ex-presos políticos, reunidas na apresentação aberta ao público, integram o acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo.

O material artístico elaborado por vários presos políticos durante os Anos de Chumbo e repassado à Pinacoteca conta com aproximadamente 300 trabalhos.

Essa produção artística esteve durante décadas sob a guarda do jornalista, artista plástico e ex-preso político Alípio Freire.

“O Alípio era pintor e desenhista. Era um artista. E já no presídio começou a ser o depositário dessas obras. Quando os presos saíam (da cadeia), deixavam os trabalhos com ele. A cela dele era um verdadeiro ateliê”, recorda a ex-companheira de Alípio, Rita Sipahi, que também foi presa política e atualmente integra a Comissão de Anistia.

Alípio sempre esteve ligado às artes. Antes de ser preso pela ditadura, já havia exposto trabalhos em uma mostra no Museu de Arte Contemporânea. E durante todos esses anos, a preocupação dele, segundo Rita, era a de zelar pela preservação das obras dos companheiros e encontrar um local adequado para que pudessem ser instaladas.

“Ele sempre esteve a procura de um espaço fora da nossa casa. Tinha a preocupação com a preservação da memória para a resistência. Demonstrar que a arte pode ser experiência de resistência.”

Várias tratativas foram feitas, mas o espaço só foi obtido após sua morte, por Covid-19, em 2021. Rita conta que um amigo a apresentou ao diretor da Pinacoteca. O material o impressionou e o tema foi levado ao Conselho da instituição, que aprovou a incorporação do acervo.

Além da produção artística de Alípio, Rita também vai apresentar um trabalho feito a quatro mãos com a ex-presa Angela Rocha, que também terá outras obras na Mostra.

O desenho em caneta esferográfica feito na Torre das Donzelas, como ficou conhecida a ala feminina do Presídio Tiradentes, na região da Luz, em São Paulo, é fruto da solidariedade entre quem vivia na pele as agruras da repressão.

“A Angela Rocha tinha sido muito torturada e só chorava. Como o Alípio tinha me dito que ela pintava e desenhava, eu perguntei se ela não queria desenhar, e ela disse que sim. Aí começamos a desenhar. Uma desenhava (um pouco) e passava a caneta para a outra. E os desenhos foram acontecendo (surgindo no papel).”

A arte produzida atrás das grades da ditadura militar é forte, potente e cheia de significado político.

Manoel Cyrillo de Oliveira Netto, que comandou a captura do embaixador estadunidense Charles Burke Elbrick ao lado de Virgílio Gomes da Silva, em setembro de 1969, ficou preso quase 10 anos em vários presídios de São Paulo.

Nesse período, produziu vários trabalhos artísticos. Um deles, que está na Mostra, o toca profundamente.

“É muito forte para mim. No dia da morte de meu tio João Carlos (Cavalcanti Reis, executado pela repressão), eu fiz uma colagem que retrata sua morte. Alguém está morrendo na rua e a bala (que o atinge) prossegue sua trajetória e acerta um preso dentro da cadeia, que sou eu. Foi uma dor inacreditável, que mexeu e ainda mexe e vai mexer eternamente comigo”, frisa.

Manoel explica que as 37 obras que serão exibidas na exposição, foram as primeiras a serem restauradas pela Pinacoteca.

“O acervo do Alípio era muito grande. Tem muita coisa com um valor artístico fantástico, como os trabalhos do (Antonio) Benetazzo, que era um artista nato, mas que não vai ter nenhum trabalho dele exposto (por não ter sido restaurado ainda).

Ele considera a apresentação dos trabalhos realizados na prisão fundamental para mostrar quem eram os combatentes que foram presos pela ditadura militar.

“É muito importante, porque ainda tem tanta gente que pensa que éramos um bando de terroristas e criminosos. E ao ver esses trabalhos nossos, pode começar a pensar diferente. E mesmo companheiros nossos, é importante que vejam e conheçam esse tipo de detalhe”, enfatiza.

“A importância (dessa exposição) é enorme, porque é o registro de uma época muito escondida da história nacional. E é importante que venha a luz essa faceta”, complementa.

A curadora da Mostra, Priscila Arantes, concorda com Manoel. “É importante, porque esse material histórico é fruto da resistência.”

Ela antecipa que foram gravados vídeos com os ex-presos políticos que produziram as obras expostas na Maria Antonia, para serem exibidos ao público na inauguração da mostra.

“É a história das pessoas que estiveram à frente dessas obras.Vão falar não só sobre essas produções, mas sobre o contexto por trás delas”, frisa.

O diretor da USP da Maria Antonia, José Lira, ressalta que a exposição que estará abrigada no prédio até o dia 10 de dezembro, juntou arte e política. “Essa é a cara da (USP da) Maria Antonia.

Ele conta que ao longo do primeiro semestre, o Centro MariAntonia vai promover mesas de debates sobre a arte nos presídios durante a ditadura militar no Brasil e na América Latina e a preservação dessa memória.

Para o segundo semestre, a agenda prevê a realização de cursos sobre o tema, além de promover a visitação de escolas para que os estudantes tomem contato com essa história.

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