Por Marcella Fernandes, compartilhado de Huffpost Brasil –
A previsão é de profissionais do setor; Anvisa tem como acelerar registro, e vacina pode estar nos postos de saúde antes do fim dos testes com voluntários brasileiros.
A vacina contra a covid-19 desenvolvida pela Universidade de Oxford pode estar disponível no Brasil no início de 2021, de acordo com profissionais do setor consultados pelo HuffPost Brasil. Estudo publicado nesta segunda-feira (20) na revista médica inglesa Lancet mostra que a vacina é segura e produziu resposta imune em voluntários saudáveis que participaram de ensaios clínicos iniciais. A terceira fase ainda está em curso, com voluntários brasileiros.
A previsão tem como base as datas de aquisição do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) da vacina anunciadas no fim de junho pelo Ministério da Saúde e a mobilização para acelerar o registro, que é concedido pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
O acordo de cooperação do governo brasileiro com a farmacêutica britânica AstraZeneca para o desenvolvimento e produção da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford prevê duas fases. A primeira, com custo de US$ 127 milhões, terá a produção de 30,4 milhões de doses, divididas em dois lotes: um em dezembro de 2020 e outro em janeiro de 2021.
Até lá, a perspectiva é que já haja resultados preliminares de testes clínicos realizados no Reino Unido, iniciado antes do Brasil.
Depois que Anvisa publicou uma resolução, em março, estabelecendo normas especiais para o registro de medicamentos, produtos biológicos e produtos para diagnóstico in vitro para prevenção ou tratamento da covid-19, o prazo para análise do registro passou para 30 dias após a formalização do pedido. O procedimento normal pode levar até 1 ano.
Com isso, a vacina poderia estar disponível nos postos de saúde ainda no início de 2021.
Os critérios para concessão de registro podem ser flexibilizados no caso de eventuais vacinas, desde que seja inequívoca sua eficácia e segurança. Agências regulatórias em outros países têm atuado dessa forma com a incorporação de tecnologias para enfrentamento da pandemia nos sistemas de saúde.
Pela legislação brasileira, para uma nova tecnologia ser incorporada ao SUS (sistema único de saúde), é necessário ter registro aprovado pela Anvisa e aval da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS). Para ambas as etapas, é necessário que haja comprovação científica do uso daquele produto.
Acordo do Brasil com AstraZeneca
Em 27 de junho, o Ministério da Saúde anunciou o acordo de cooperação com a AstraZeneca. O negócio prevê tanto a compra do ingrediente farmacêutico ativo quanto a transferência de tecnologia para que etapas da produção possam ser feitas em território nacional.
Na época, o governo brasileiro apresentou uma carta de intenção à Embaixada Britânica. O acordo só será fechado de fato, pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ligada ao Ministério da Saúde, o que ainda não ocorreu.
Além da primeira fase, de produção de 30,4 milhões de doses, está prevista uma segunda, com mais mais 70 milhões de doses, ao custo de US$ 2,30 por unidade, se a vacina for considerada segura e eficaz.
O Instituto Bio-Manguinhos é a unidade da fundação responsável por monitorar as iniciativas de vacina contra o novo coronavírus (SARS-CoV-2). Integrantes da entidade estão discutindo os termos do acordo com a AstraZeneca, detentora dos direitos de comercialização da vacina de Oxford.
Ainda não há data para o documento ser assinado, mas de acordo com pessoas envolvidas na negociação, as datas anunciadas anteriormente estão mantidas. Bio-Manguinhos deve receber o ingrediente farmacêutico ativo em dezembro e janeiro, fará o processamento final da vacina e aguardará o registro para que ela seja enviada aos postos de saúde.
Em nota, o Ministério da Saúde informou que “segue discutindo os termos do acordo com a empresa AstraZeneca, para viabilizar o melhor modelo de contratação do desenvolvimento da vacina, de sua tecnologia de produção e adequando os termos da encomenda tecnológica”, por meio da Fiocruz. De acordo com a pasta, “mais detalhes sobre o acordo serão disponibilizados tão logo seja firmado”.
Vacina nos postos antes do fim dos testes no Brasil
O Brasil faz parte dos países em que a vacina de Oxford está sendo testada em humanos, na chamada fase 3. O ensaio clínico com 5.000 voluntários está sendo feito nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador (BA), por meio de parcerias com a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e com o Instituto D’Or.
Em entrevista à GloboNews, a reitora da Unifesp, Soraia Smaili, afirmou que devido ao ritmo da pesquisa, a vacina só estaria disponível para a população em junho de 2021. “A vacina de Oxford é uma candidata bastante forte e está bem avançada, [mas] é preciso respeitar o tempo do estudo. E precisa ter os resultados, pelo menos, dos 6 primeiros meses, pra saber qual o conjunto dos resultados (…) juntando todos os resultados, eles poderão ter o registro em 12 meses, ou seja, junho do ano que vem”, afirmou.
No entanto, segundo o HuffPost apurou, a vacina pode ser incorporada ao SUS mesmo que algumas etapas do ensaio clínico aqui ainda estejam em curso. Isso porque é possível que resultados preliminares favoráveis em outros países, como o Reino Unido, permitam que o processo seja mais rápido. Normalmente, uma vacina levaria 18 meses para ser aprovada.
Quando o acordo com a AstraZeneca foi anunciado, integrantes do Ministério da Saúde afirmaram que a expectativa era que houvesse dados preliminares até novembro.
“Os resultados de eficácia da vacina vão ser avaliados mês a mês e serão enviados ao Reino Unido para serem avaliados nesse conjunto. A ideia é que esses resultados preliminares sejam apresentados entre outubro e novembro. Todos esses dados serão somados aos dados mundiais para contribuir com o dossiê de registro que deve acontecer não só no Brasil mas em todos outros países onde o ensaio clínico está acontecendo”, afirmou Camile Sachetti, diretora de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos (SCTIE).
Na época, Sachetti também disse que esse procedimento não anularia o acompanhamento clínico dos voluntários. “Claro que pacientes serão acompanhados por um ano e, se houver necessidade, por até mais tempo”, afirmou.
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou ao HuffPost Brasil que “com relação ao registro e incorporação da vacina, informa-se que seguirão os ritos previstos em legislação específica”. A pasta também respondeu que “segue acompanhando os resultados de estudos de vacinas para covid-19 à medida que forem disponibilizados”.
Quem receberá a vacina para covid-19?
Cabe ao Ministério da Saúde estabelecer como será a distribuição dentro do Programa Nacional de Imunizações (PNI). É nessa etapa que são definidos, por exemplo, grupos prioritários, como profissionais de saúde e idosos, em um esquema semelhante ao que ocorre hoje com o calendário da vacina para gripe.
Em junho, a pasta anunciou que as 100 milhões de doses irão contemplar a cobertura vacinal dos seguintes grupos: idosos, pessoas com comorbidades, profissionais de saúde, professores, indígenas, pessoas em privação de liberdade, profissionais de segurança pública, de salvamento e motoristas de transporte coletivo. O esquema de vacinação deve ser escalonado, de maneira semelhante ao que ocorre com o calendário de imunização para gripe.
O que se sabe sobre a vacina de Oxford?
Todas as vacinas agem estimulando o sistema imunológico a produzir anticorpos para combater patógenos e tornar a pessoa imune a doenças. Mas há diferentes formas de desenvolver essa tecnologia.O modelo desenvolvido pela Universidade de Oxford usa uma versão enfraquecida do vírus, que causa o resfriado comum (adenovírus), contendo o material genético da proteína spike do Sars-CoV-2.
A vacina não causou efeitos adversos graves e provocou respostas imunes de anticorpos e das células T, outras células de defesa do corpo humano, de acordo com os dados publicados na Lancet. Os dados se referem à reação de 1.077 adultos no Reino Unido nas fases iniciais. A eficácia só poderá ser comprovada na fase 3, ainda em curso.
Principal autor do estudo, Andrew Pollard, da Universidade de Oxford, afirmou, contudo, que é preciso cautela. “Precisamos de mais pesquisas antes de podermos confirmar que a vacina protege efetivamente contra a infecção de SARS-CoV-2 (covid-19) e quanto tempo qualquer proteção dura”, disse.
Nesta terça-feira (21), Sarah Gilbert, pesquisadora da Universidade de Oxford, disse que a vacina pode estar disponível até o fim do ano, mas ressaltou que ainda é preciso aguardar 3 etapas: a eficácia ser comprovada na fase 3, a fabricação de doses em larga escala e que órgãos reguladores atuem para que as licenças sejam aceleradas para uso emergencial.
“A meta do final do ano para ter a vacina disponível é uma possibilidade, mas não há absolutamente certeza sobre isso, porque precisamos que algumas coisas aconteçam”, disse em entrevista à rádio BBC. “Todas essas três coisas têm que acontecer e se juntarem antes que possamos começar a ver uma grande quantidade de pessoas vacinadas”, completou.
Além do Brasil, os testes da fase 3 envolvem voluntários na África do Sul e devem começar nos Estados Unidos. “O crucial é que tenhamos um número suficiente de pessoas expostas ao vírus que também tenham a vacina para que possamos ter um julgamento adequado sobre se ela evita a doença e permanece segura”, disse John Bell, professor de Medicina da Universidade de Oxford, à BBC. “Estamos esperançosos, particularmente por causa das baixas taxas de incidência no Reino Unido, de que os indivíduos recrutados no Brasil e na África do Sul serão, em última instância, capazes de fornecer os dados”, completou.
Após a divulgação dos resultados na Lancet, o vice-presidente executivo de pesquisa e desenvolvimento de produtos biofarmacêuticos da AstraZeneca, Menelas Pangalos, afirmou que provavelmente deverão ser dadas duas doses da vacina para que o efeito seja melhor. “Ainda estamos em uma fase de especulação, pois, após a pandemia, não sabemos quantas doses devem ser dadas. Até agora, tudo indica que o melhor é dar duas doses”, afirmou em entrevista virtual internacional.
O executivo da farmacêutica também lembrou que o primeiro voluntário foi vacinado em maio e disse acreditar que os estudos finais sejam concluídos entre o fim de setembro e o começo de novembro.
Os cientistas de Oxford esperam que 1 milhão de doses da potencial vacina sejam produzidas até setembro.
163 vacinas para covid-19 em desenvolvimento
De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), há 163 iniciativas de candidatas a vacina contra a covid-19 em desenvolvimento e a de Oxford é a que se encontra em estágio mais avançado de testes.
No Brasil, a Anvisa autorizou nesta terça um ensaio clínico que estudará dois tipos de vacinas para o novo coronavírus: BNT162b1 e BNT162b2, desenvolvidas pelas empresas BioNTech e Pfizer. O estudo prevê a inclusão de cerca de 29 mil voluntários, sendo mil no Brasil, distribuídos nos estados de São Paulo e Bahia.
Dados preliminares positivos das iniciativas também foram divulgados nesta segunda. As duas vacinas são baseadas em ácido ribonucleico (RNA), que codifica um antígeno específico do vírus SARS-CoV-2. O RNA é traduzido pelo organismo humano em proteínas que irão, então, induzir uma resposta imunológica.
Com a autorização da Anvisa, o início dos testes em seres humanos depende agora da aprovação no Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e da própria organização interna dos pesquisadores para recrutamento dos voluntários. O aval da agência é necessário só para pesquisas clínicas com finalidade de registro.
Este é o terceiro ensaio clínico de vacina contra o novo coronavírus autorizado pela Anvisa. Além do ligado à Universidade de Oxford, também foram autorizados testes da vacina desenvolvida pela empresa Sinovac, em parceria com o Instituto Butantan. A técnica usada pela iniciativa chinesa é de inativação do vírus.