Vacina sim, vacina já, nas favelas

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Por Agostinho Vieira, compartilhado de Projeto Colabora – 

Mais de 20 instituições e coletivos do Rio defendem que áreas vulneráveis tenham prioridade no acesso à vacinação

Voluntários fazem a sanitização do Morro Dona Marta, em Botafogo. Favelas do Rio estão entre as mais atingidas pela covid-19. Foto Fabio Teixeira/NurPhoto/AFP. Outubro/2020

A tese não é nova e nem muito complicada de entender. Estamos no meio de uma das maiores tragédias sanitárias da história, as vacinas foram desenvolvidas em tempo recorde por alguns dos mais importantes laboratórios farmacêuticos do planeta. Mas não há, ainda, imunizantes suficientes para todo mundo. Primeiramente porque não dá para produzir 15 bilhões de doses – volume necessário para aplicar duas doses em 7,5 bilhões de habitantes da Terra – em pouco meses. Depois porque as que vão ficando prontas estão sendo compradas pelos países ricos. Afinal de contas, todos fazemos parte da Humanidade, mas alguns são mais humanos do que os outros.




Se não há vacina para todo mundo, obviamente, precisamos priorizar. A ideia de começar pelos profissionais de saúde e pelos idosos também é clara, simples e aceita em todos os países. Os primeiros estão na linha de frente e os outros são os mais atingidos pelo coronavírus, os que mais adoecem e os que mais morrem. Mas, e depois? Qual será o critério para vacinar os brasileiros que têm menos de 60 anos? Considerando que a escassez de vacina vai continuar, como vamos organizar essa fila? Um critério objetivo seria seguir privilegiando a parcela da população que mais sofre com a covid-19, a que está mais sujeita às internações e às mortes. Uma reportagem de PH Noronha, publicada no #Colabora, já mostrou que, pelo menos no Rio de Janeiro, esse grupo é bem conhecido. Ele tem cara e endereço definidos: são negros e pobres que moram nas regiões mais vulneráveis da cidade, especialmente nas favelas.

Um estudo feito pelas pesquisadoras Luiza Nassif Pires, do Levy Economics Institute, Laura Carvalho, da USP, e Laura Lima Xavier, da Havard Medical School, vai na mesma linha e mostra que a desigualdade no Brasil é tanta e tão antiga que chega a estar entranhada no corpo das vítimas. Segundo elas, as chances de um brasileiro pobre, que tenha apenas o ensino fundamental, ser infectado pelo coronavírus é muito maior do que a de um indivíduo que tenha feito o ensino médio ou um curso superior. A proporção de pessoas com um ou mais fatores de risco, as chamadas comorbidades, chega a 54% entre os que têm apenas o ensino fundamental, contra 28% do ensino médio e 34% do superior. Entre os mais pobres, a presença de dois ou mais fatores de risco é três vezes maior do que entre aqueles que frequentaram o ensino médio. Os fatores de risco ou pré-condições incluem, entre outras, as doenças cardiovasculares, diabetes, doenças pulmonares crônicas, hipertensão e doenças renais.

Para tentar minimizar essa desigualdade, o Painel Unificador Covid-19 nas Favelas, que reúne mais de 20 instituições e coletivos, como a Fiocruz, a Redes da Maré e a Voz das Comunidades, lançou a campanha “Vacina Pra Favela Já!”, com o objetivo de convencer as autoridades do Estado e da Prefeitura do Rio a tomar medidas que garantam o acesso prioritário das comunidades faveladas às vacinas. Desde julho do ano passado, esse Painel vem organizando e publicando dados sobre o alcance e o impacto da covid-19 nas favelas do Rio. Eles já mostraram, por exemplo, que se as favelas fossem um país seriam o 50º com mais mortos por covid-19. Mas a ideia não deveria valer apenas para as populações vulneráveis da Cidade Maravilhosa, ela caberia perfeitamente na periferia de São Paulo, nos bairros pobres de Minas Gerais ou nos rincões do Nordeste.

O problema da proposta é achar ouvidos sensíveis nestes tempos agudos de salve-se quem puder. Esta semana, a prefeitura do Rio suspendeu mais uma vez a vacinação alegando que a falta de doses aconteceu por conta do afluxo de moradores de outros municípios do Estado. Nas redes sociais, muitos fizeram comentários xenófobos e criticaram a “invasão de estrangeiros”, como se fosse ilegal. Não é. A campanha de vacinação é do Sistema Único de Saúde (SUS) e, portanto, qualquer pessoa pode se vacinar onde quiser, desde que obedeça aos critérios do Programa Nacional de Imunização (PNI) que, diga-se de passagem, não não são muito claros. Falta interlocução entre os municípios e os estados e falta, principalmente, uma coordenação nacional.

Aliás, por falar em coordenação, muito já foi escrito e falado sobre o negacionismo do governo Bolsonaro em relação à pandemia de covid-19. Desde a “certeza” de que se tratava apenas de uma gripezinha, passando pela campanha contra as máscaras que, segundo Eduardo Bolsonaro, deveriam ser “enfiadas no rabo”, até o desprezo e a falta de empatia com as milhares de mortes de brasileiros. No entanto, o maior e mais letal negacionismo desse governo segue sendo a negação de governar. Não sabem e não querem. Se dependesse somente do presidente e de seus assessores, o Brasil teria hoje, após um ano de tragédia sanitária, apenas quatro milhões de doses de vacinas. O número exato de imunizantes de Oxford/AstraZeneca que foram importados da Índia. Todas as demais são “vacinas chinesas”, “vacinas do Dória”, que só estão disponíveis por conta do esforço e da iniciativa de São Paulo. Logo, um governo que não consegue garantir o abastecimento de vacinas, que entrega no Amapá as doses do Amazonas, que não incentiva o uso de máscaras e nem permite o isolamento social, dificilmente vai se preocupar com pretos e pobres morrendo nas favelas.

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