“Nós não conhecemos os efeitos colaterais de longo prazo das vacinas contra a covid-19.” Esta ainda é uma afirmação encontrada com frequência online.
Por Rachel Schraer, compartilhado de BBC News
Mas um ano, na verdade, é considerado um prazo relativamente longo com relação à segurança das vacinas.
O final de fevereiro marcou o aniversário do primeiro fornecimento de vacinas contra a covid-19 sob o esquema Covax – e mais de 14 meses desde a administração da primeira dose. Os cientistas explicam que este prazo é suficiente para o surgimento de todos os efeitos colaterais, até os mais raros.
O que acontece no seu corpo?
Muito embora as vacinas contra a covid-19 sejam relativamente novas, os processos que elas ocasionam no seu corpo não são. Compreender como elas estimulam o sistema imunológico pode nos ajudar a compreender a rapidez com que podemos esperar eventuais reações negativas.
Após 15 minutos
Uma parcela muito pequena das pessoas sofrerá reação alérgica aos ingredientes inertes da vacina, o que ocorrerá em até cerca de 15 minutos após a inoculação.
Após algumas horas
Pouco depois de receber a vacina, o sistema imunológico entra em ação. O seu corpo reconhece um invasor externo e o ataca com as células imunológicas – as armas que ele usaria contra qualquer vírus ou bactéria.
Sabemos que qualquer reação associada a essa fase – conhecida como fase inata – ocorrerá em questão de horas ou até dois dias, incluindo os efeitos colaterais mais comuns, como braço dolorido, febre e outros sintomas leves similares à gripe.
Um efeito colateral muito mais raro que foi relacionado às vacinas de mRNA da Pfizer e da Moderna – miocardite ou inflamação do coração – também ocorre nesta fase. E, embora a causa exata da miocardite não seja conhecida, sabemos que a inflamação é uma das reações do corpo a infecções ou ferimentos.
Como essa reação é muito rara e é relativamente incomum que pessoas mais jovens sejam internadas em hospitais com o vírus, ainda existem trabalhos em andamento para compreender totalmente o risco em alguns grupos. Mas os cardiologistas ressaltam que a miocardite é apenas um fator que precisa ser compreendido, além dos muitos outros riscos do vírus sobre o sistema imunológico, os pulmões, o coração e o cérebro, contra os quais a vacina oferece proteção.
A miocardite induzida pelas vacinas geralmente é suave e melhora sozinha ou com drogas anti-inflamatórias comuns, como ibuprofeno.
Após 10 dias
A fase inata aciona a segunda parte da reação imunológica: a fase adaptativa, na qual o seu corpo começa a produzir células que são projetadas especificamente para combater o vírus alvo.
Essa fase começa após cerca de 10 dias e é por isso que a vacina leva esse mesmo período de tempo para começar a apresentar efeitos na proteção contra a covid-19. O seu corpo bombeia novas células imunológicas, em uma reação cujo pico acontece após cerca de duas semanas, desaparecendo após 28 dias.
Um efeito colateral muito raro, mas sério, relacionado à vacina da AstraZeneca – um tipo específico de coágulo sanguíneo – ocorre durante essa fase e está relacionado aos anticorpos produzidos pelo seu sistema imunológico em reação à vacina. Por isso, a maior parte desses coágulos raros é observada em até quatro semanas após a vacinação.
Aos 28 dias
Após o término da fase adaptativa – depois de cerca de um mês -, você passa a ter células de memória que oferecem proteção por meses ou anos após a exposição inicial.
Com isso, o seu sistema imunológico foi alterado a longo prazo, mas você não sofre novas reações, segundo explica Victoria Male, imunologista reprodutiva residente em Londres. Ela afirma que, se você não teve reação depois dos dois primeiros meses, é extremamente improvável que você desenvolva qualquer outra reação à vacina.
Nada na medicina é 100% garantido, de forma que não podemos afirmar que é impossível que algo aconteça depois desse período de tempo. Mas “a história da vacinação garante que a maior parte dos efeitos colaterais ocorre em questão de horas depois de receber a vacina e os efeitos colaterais raros ocorrem em dias ou até semanas”, explica Jeffrey Mphahlele, importante pesquisador sul-africano de doenças infecciosas.
Algo de novo será identificado?
Segundo nossa compreensão do funcionamento do sistema imunológico, sabemos que é cada vez mais improvável que indivíduos que não tiveram reação à vacina nos dois primeiros meses sofram qualquer novo efeito colateral após esse período.
Mas seria possível que efeitos colaterais que já aconteceram tenham passado despercebidos e possam aparecer nos próximos anos?
Países de todo o mundo estabeleceram sistemas para monitorar efeitos colaterais e compartilhar essas informações entre si. Quanto mais rara é uma reação, mais difícil é identificá-la. Mas é tranquilizador saber que esses sistemas tiveram sucesso ao identificar os coágulos sanguíneos e a miocardite que já mencionamos, apesar de serem muito raros, com apenas alguns casos por milhão de doses.
Embora os sintomas mais leves – como braço dolorido ou febre – provavelmente sejam muito subnotificados, efeitos colaterais mais severos são amplamente registrados, segundo acredita a Dra. Male.
Como esperamos que eventuais efeitos colaterais surjam com relativa rapidez, talvez algo mais relevante a ser observado – mais que o tempo já decorrido – seja quantas doses foram administradas, segundo sugere Chandrakant Lahariya, epidemiologista de Nova Déli, na Índia.
O dr. Lahariya explica que “bilhões de doses foram administradas, de forma que qualquer efeito colateral ainda não observado seria mais raro que um em um bilhão”. Ainda assim, os sistemas médicos de todo o mundo ainda estão buscando efeitos colaterais, segundo ele.
De fato, embora todas as vacinas tenham completado as três fases esperadas de testes que normalmente têm lugar antes de serem oferecidas para o público em geral, elas ainda estão sendo cuidadosamente monitoradas até pelo menos 2023, para garantir que até os eventos mais raros sejam detectados.
É preciso lembrar que segurança em medicina é o equilíbrio entre os riscos e os benefícios – e todas as evidências indicam que os riscos gerais de pegar covid-19 são muitas vezes superiores aos eventuais riscos apresentados pelas vacinas.