Por Miguel do Rosário, O Cafezinho –
Diretamente de Brasília.
O Senado autorizou a instalação, esta semana, da CPI do Carf, que ajudará a dar suporte político à Operação Zelotes, conduzida pela Polícia Federal e pelo Ministério Público.
O Cafezinho prefere lhe dar um apelido mais popular: CPI do Darf, para lembrar a campanha “Mostra o Darf, Rede Globo!” que fizemos após a divulgação de documentos que ilustravam a “engenhosa operação financeira” da Globo, visando fraudar o fisco na aquisição dos direitos de transmissão da Copa de 2002.
Junto à CPI do Swissleaks, agora são duas CPIs no Senado criadas através de denúncias que tiveram mais repercussão junto às redes sociais e blogs do que na grande imprensa.
Até porque as próprias empresas de mídia são investigadas nas duas CPIs. Na do Swissleaks, apareceram inúmeros barões (Folha, Band, Globo) que mantinham contas secretas na Suíça; e na recém instalada CPI do Darf, temos a RBS, afiliada da Globo e principal grupo de mídia no Sul do país, além de bancos, como o Safra, e indústrias, como a Gerdau.
É importante dar destaque à presença da mídia como réu, pois isso determinará que a imprensa corporativa adote uma abordagem hostil em relação a essas duas Cpis.
Claro, se houver a pressão certa, a imprensa será forçada a noticiar. Não deixa de ser curioso, porém, que agora tenhamos que fazer grandes campanhas nas redes sociais para obrigar a mídia a simplesmente cumprir seu papel: dar a notícia.
A imprensa não sabe como tratar dois grandes escândalos onde não há, até onde sabemos, nenhum petista.
Afinal, como manter o asfixiamento político do Planalto com escândalos que não envolvem diretamente nenhuma figura importante ligada ao governo?
Lembrando: a Operação Zelotes investiga desvios que podem superar R$ 20 bilhões, e põe em evidência, pela primeira vez, uma instância obscura, que nunca mereceu, por parte da imprensa, uma cobertura jornalística decente.
Essa instância chama-se Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e vincula-se ao Ministério da Fazenda.
Esse Carf é uma jabuticaba brasileira. Não existe em lugar nenhum do mundo.
Contenciosos fiscais que correspondem a pedaços gordos do PIB brasileiro são discutidos sem nenhuma transparência. No momento, o Carf discute mais de R$ 500 bilhões, que podem ou não ser transformados em patrimônio público. Isso dá quantos “ajustes fiscais”?
Como assim? Quer dizer que a lei da transparência exige que sejam publicados os gastos de ministros e deputados até os mínimos detalhes, e uma turma com meia dúzia de “conselheiros”, metade oriundo do setor privado, pode decidir em segredo o destino de centenas de bilhões de reais de crédito tributário?
Por que a imprensa brasileira nunca discutiu o papel do Carf? Quem são os conselheiros, como são escolhidos, qual o critério que usam para perdoar ou não bilionárias dívidas tributárias?
Se os paneleiros querem razões para bater no governo, eis uma boa: porque o Ministério da Fazenda nunca tentou oxigenar o Carf? Nunca tentou injetar mais transparência e controle social sobre decisões que afetam profundamente as contas públicas nacionais?
Não me entendam mal. Não quero usar a política para prejudicar nenhuma empresa brasileira. Se você ler atentamente o post verá que se tenta discutir sobretudo o problema da legislação tributária, que praticamente incentiva a sonegação.
O espetáculo grotesco oferecido pelos procuradores da Lava Jato, que não demonstraram uma gota de preocupação pelas consequências de seus atos, tentando destruir empresas e setores de importância estratégica para o país, não deve ser repetido em nenhuma outra instância.
Mas também não é mais possível que o crime tributário seja tratado com tanta condescendência pelos orgãos de repressão. Nos países avançados, as prisões estão cheias de sonegadores. Aqui ninguém é punido!
O Cafezinho voou para a Brasília nesta quarta-feira e conversou longamente com o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), relator de uma subcomissão criada na Câmara Federal especialmente para acompanhar as investigações da Operação Zelotes.
(Assista à entrevista que eu fiz com o deputado, usando meu celular.)
Pimenta observa que o objetivo maior do seu envolvimento nas investigações da Zelotes é mostrar ao Brasil que a nossa legislação tributária foi feita para beneficiar o sonegador, em especial o grande sonegador.
Não vale a pena pagar imposto, porque se você tiver uma boa consultoria tributária, o melhor a fazer é empurrar a dívida indefinidamente, até a última instância. No Carf, se o devedor perde, ele pode recorrer ao Judiciário. Se o governo perde, é decisão terminal: e o Estado perde bilhões, às vezes dezenas de bilhões.
Pimenta fez acusações pesadas à 10 Vara Criminal de Brasília, conhecida, segundo ele, por “cemitério” porque todos os processos que passam por lá morrem misteriosamente, por prescrição, adiamentos eternos, e outros subterfúrgios.
O próprio procurador da Zelotes, diz Pimenta, entrou com uma representação contra o juiz.
Pimenta também está entrando com representações contra o juiz, junto ao Conselho Nacional de Justiça, para que ele explique porque não está colaborando com uma investigação que pode ter um impacto tão profundo no PIB.
Infelizmente, diz o deputado, existe a suspeita de que o Judiciário está sendo omisso ou mesmo cúmplice das quadrilhas, formadas por grandes escritórios de advocacia.
Na manhã desta quarta-feira, a subcomissão trouxe os delegados da Polícia Federal Marlon Oliveira Cajado dos Santos, da Divisão de Repressão a Crimes Fazendários, e Hugo de Barros Correia, da Coordenadoria Geral da Polícia Fazendária. Os dois são responsáveis pela investigação da Operação Zelotes.
Os delegados criticaram duramente a legislação, que protege sonegadores. Eles criticaram especialmente a composição do Carf, que dá muitas brechas à corrupção. Por exemplo, uma das estratégias dos conselheiros corruptos, flagrados pela PF através de escutas autorizadas pela Justiça, era simplesmente ausentar-se de uma votação. Como a turma que decide é formada por apenas seis pessoas, uma ausência pode determinar se o governo receberá ou não alguns bilhões em impostos.
Os delegados criticaram tambem a Súmula Vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal que, segundo eles, reduziu pela metade os inquéritos policiais contra crimes tributários nos últimos cinco anos.
O deputado Paulo Pimenta disse ao Cafezinho que entrará em contato com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) para discutir esta súmula.
“Não é que diminuiu a quantidade de crimes tributários, ou que a Polícia está investigando menos. A Súmula do STF, de 2009, consolida o entendimento de que a PF não pode instaurar inquérito policial se a Receita Federal, em sua última instância, não constituir definitivamente o crédito tributário. Isso dificulta e impede o início de uma investigação”, lamentou o delegado Hugo Correia.
O delegado informou que muitas das investigações relacionadas ao Carf só foram possíveis a partir de evidências de crimes de corrupção, advocacia administrativa, tráfico de influência e lavagem de dinheiro. Os delegados enfatizaram que a legislação brasileira permite um tratamento diferenciado para crimes tributários em relação aos crimes comuns. Segundo eles, a leis são mais condescendentes no âmbito do direito penal tributário.
O Cafezinho também conversou, nesta quarta-feira, com o gabinete da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), que será a relatora da CPI do Darf.
O staff da senadora já percebeu que encontrará dificuldades para divulgar as atividades da CPI na mídia tradicional e espera furar esse bloqueio através do engajamento de blogs e redes sociais.
A presidência da CPI do Darf ficou com o senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), um parlamentar bastante hostil ao governo, mas que terá oportunidade de mostrar que os tucanos também se interessam em combater a corrupção fiscal.
A sociedade terá de ficar atenta ainda para um risco: o uso desta CPI para achacar grandes empresas, num jogo que o corrupto Paulo Roberto Costa diz ter feito com o então presidente do PSDB: R$ 10 milhões para transformar uma CPI num circo e, aos poucos, abafá-la.
Se esse risco for vencido, a CPI do Darf pode dar frutos extraordinários, a começar pela oportunidade de rediscutirmos um modelo tributário que premia o grande sonegador, e que, virtualmente, eliminou o crime tributário da esfera da investigação policial.
“Não existe a figura da Justiça Fazendária no Brasil”, protesta o deputado Pimenta.
A corrupção fiscal dos muito ricos, assim como a falta de imposto sobre grandes fortunas, são a razão principal da sobrecarga tributária que pesa sobre a classe média, os assalariados e as pequenas empresas brasileiras.
Passamos os primeiros quinze anos do atual século lutando por justiça social e combatendo a corrupção. Os órgãos de repressão ganharam autonomia e autoconfiança para investigar inclusive partidos governistas. É raro, mesmo em democracias avançadas, ver tanta liberdade política.
Entretanto chegou a hora de promover um avanço qualificado nessas ações moralizadoras, e introduzir no debate público dois conceitos essenciais para fazer o Brasil dar um passo na direção certa: justiça fiscal (que devemos promover) e corrupção fiscal (que devemos combater).