Vários perdões e um não perdão a Adolfo, o morto

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E o Bem Blogado  volta com Sonia Nabarrete, hoje um minoconto fúnebre, mas sem perder o sarcasmo. 

Mais um  miniconto –   #quarentextos  –                              da ótima  escritora e jornalista. 




Imperdoável
Escolheu o vestido preto que realçava suas curvas, calçou os escarpins igualmente pretos, escondeu as rugas ao redor dos olhos com um Ray-Ban poderoso e colocou máscara de tecido negro. Tudo condizente com a ocasião.
Era assim elegante que gostaria de ser vista no funeral do marido, um homem por quem fora apaixonada, mas que acabou se revelando um bom canalha nos muitos anos de convivência.
Aproximou-se do caixão lacrado e disse algumas palavras, como se o morto pudesse ouvi-las:
— Adolfo, eu perdoo tudo: suas grosserias e traições, os porres frequentes. (Sempre achei que você morreria de cirrose).
Perdoo você ter deixado de me amar. (Na verdade, eu também já não te amava faz tempo).
Perdoo até você ter cantado a Marielza, minha eterna rival desde que disputamos o título de miss Itupeva (Nenhuma das duas ganhou, é verdade, mas ficamos entre as finalistas).
Adolfo, eu poderia elencar todos os eventos que você protagonizou e que me encheram de raiva, humilhação e medo, mas não daria tempo.
Daqui a pouco a cerimônia do adeus termina. (Deram só 10 minutos). Mas eu te perdoo por tudo.
Menos por uma coisa: você ter morrido de Covid agora, na pandemia, sem direito a um funeral concorrido.
Também, queria o quê? Participando de aglomerações sem máscara, só podia terminar assim. Isso eu não perdoo, Adolfo.
Agora você está aí, mortinho, e eu, uma viúva ma-ra-vi-lho-sa que ninguém pode ver.
Que desperdício, Adolfo. Mas…posso tirar uma selfie. Vai bombar no instagram.

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