Por Xico Sá, compartilhado de El País –
O mais importante acontecimento jornalístico de 2019 lembra a sujeira e perversão dos personagens de Dalton Trevisan
O pecado da omissão televisiva ajuda preservar a imagem canonizada de Sergio Moro, que deixou o cargo de juiz para entrar no Governo Jair Bolsonaro —sem escala ou quarentena moral. A alta popularidade, segundo a última pesquisa Datafolha, confirma a tese. É como se Nelsinho fosse mostrado apenas como o bom, correto e sonso “rapaz de família” e jamais na pele de O vampiro de Curitiba, personagem do livro homônimo do gênio Dalton Trevisan.
Ministro apenas protocolar no comando da Justiça, o ex-juiz foi flagrado vampirizando a lei em uma trapaça nunca dantes vista na literatura jurídica nacional. As revelações da turma de Glenn Greenwald são de fazer corar o mais indecente dos rábulas de porta de cadeia.
O dublê de Superman —assim tem sua representação nas manifestações da extrema direita nas ruas do Brasil— era bedel, juiz, promotor, delegado da PF, guru e xamã dos procuradores. Tudo ao mesmo tempo agora. Cobrava escanteio e corria para cabecear ao gol. Era árbitro de campo e da cabine do VAR no mesmo lance. Para o delírio do pupilo Deltan Dallagnol —outro vocacionado Nelsinho dos gabinetes curitibanos— em mais um transe religioso da Lava Jato.
O advogado e jornalista Greenwald não titubeia ou tampouco se protege com o escudo dos verbos no condicional quando trata do assunto: “Quando tem um juiz corrupto na primeira instância, o processo é comprometido de todas as formas porque este juiz corrupto está decidindo quais evidências vão ser incluídas, quais testemunhas vão ser ouvidas. Então, o processo total é corrupto. O STF está concluindo isto agora”.
“No fundo de cada filho de família dorme um vampiro”, escreve Dalton Trevisan. Cuidado. Sedento por prisões inconstitucionais, ele pode sugar o sangue de inocentes nas próximas eleições presidenciais.
Que 2020 seja leve
Sim, 2019, o ano que não termina mas já acabou (pausa, maestro) com a gente, como diz aqui a poeta Alice Ruiz, em mais uma edição do projeto Sinapses poéticas, no Sesc Rio Preto. Ela fala de Florbela Espanca e Cecília Meireles, eu trato de Paulo Mendes Campos e Vinícius de Moraes, sob a regência do planeta melancolia que domina nosso tempo. Precisamos ser radicalmente otimistas para acreditar que 2020 seja menos sufocante.
Difícil acreditar que tenhamos menos censura, menos queimadas na Amazônia, menos descuido com desastres ecológicos —vide o óleo nas praias no Nordeste—, menos destruição nas escolas e universidades, menos ataques a artistas e produtores culturais, menos racismo, menos desemprego, menos intervenções milicianas, menos eliminação nas tribos indígenas, menos extermínio nas periferias e nos bailes funks etc etc. Difícil acreditar, mas fica valendo o verbo do cronista Antônio Maria: “Brasileiro Profissão Esperança”.
Boas festas, de preferência sem tretas políticas na família, e que o ano novo nos seja leve.