Veja no rumo da falência

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Por José Carlos Ruy no Portal Vermelho, publicado em Carta Maior

As notícias sobre as dificuldades enfrentadas pelo monopólio midiático merecem ser saudadas. Conheça a história da ascensão e queda da publicação.

reprodução

O ano de 2015 começou com uma boa notícia para a liberdade de expressão e a democratização dos meios de comunicação. Ela relata as dificuldades financeiras que levaram a Editora Abril, dona da revista Veja, a abrir mão de metade do prédio onde a revista está sediada, na marginal Pinheiros, em São Paulo. A notícia sobre as dificuldades enfrentadas pelo monopólio midiático merece ser saudada.




Elas não são recentes. No início dos anos 90 a Editora Abril chegou a tomar “emprestado” parte dos salários de seus empregados (que devolveu depois) para enfrentar problemas de caixa.

Naqueles anos seus diretores flertavam com a ideia da empresa vir a ser uma grande emissora de TV a cabo. Com este objetivo, a Abril endividou-se para “cabear” algumas cidades brasileiras pois não queria usar os cabos telefônicos existentes. O sonho durou até que a popularização da internet (ocorrida ainda na primeira metade dos anos 90) levou as redes de cabos próprios à aposentadoria. A aventura deixou a conta salgada dos dólares gastos na compra dos cabos de fibra ótica que foram inutilmente enterrados naquelas cidades (este é um verdadeiro “case”, para usar o jargão marqueteiro comum nos corredores da Abril, à espera do estudante de pós graduação que queira comparar as virtudes da administração privada com aquelas da administração pública).

As dificuldades se agravaram com o passar dos anos. A publicadora da família Civita veio de uma história de sucessos desde 1950, quando foi fundada. No início só publicava HQ, fotonovelas e revistas de serviços. Deu um salto em 1965 quando publicou a revista Realidade, que acolheu alguns dos melhores talentos do jornalismo brasileiro, entre eles vários profissionais ligados a uma organização que a ditadura colocou na ilegalidade, a Ação Popular (AP). O prestígio ganho com aquela publicação capacitou a editora a outro passo ousado: o lançamento, em 1968, da revista Veja.

A equipe de jornalistas que atuava na Editora Abril conseguiu um feito memorável: produzir publicações afinadas com o momento de modernização conservadora que o Brasil vivia. Realidade, mais avançada, durou pouco e logo depois do AI-5 (1968) abandonou as ousadias editoriais e se tornou uma convencional revista de variedades. Veja, logo afinada com a ditadura militar, cresceu e se transformou na principal revista semanal de informação publicada no Brasil.

Veja reforçou o alinhamento com a direita depois do fim da ditadura (em 1985). Conservadora, a revista – que um crítico disse ser a principal publicação norte-americana em idioma português – esteve na vanguarda do projeto neoliberal no Brasil. E fez as apostas equivocadas cujo resultado agora é visível. A principal delas: a oposição fundamentalista a qualquer governo de coloração democrática. Essa oposição se aprofundou desde a eleição de Lula em 2002. A soberba e a arrogância cresceram desde o Fora Collor (1992) que apeou do poder o presidente Fernando Collor de Mello que fora, antes, o “caçador de marajás” queridinho de Veja…

Soberba e arrogância cujas consequências estão na raiz da crise da editora. Conta-se nos corredores do prédio da marginal Pinheiros que durante a crise do chamado “mensalão” (2005) o atual diretor de redação da revista, Eurípedes Alcântara, teria se lamentado por ter menos sorte que seu antecessor no cargo, Mario Sérgio Conti, pois, ao contrário de Collor, Lula não queria renunciar…

Nesta obsessão antidemocrática, Veja – cujo marketing dizia ser “indispensável” – entrou no rumo do abismo. Aquela que, nos anos 90, alcançou a circulação semanal de 1,3 milhões de exemplares, caminhou aceleradamente para a irrelevância, carregando atrás de si o império dos Civita.

Suas matérias, sobretudo a pauta política, passaram a ter escasso compromisso com a verdade. Foram inúmeras: contra o presidente Lula, o Partido dos Trabalhadores, a esquerda em geral. Um exemplo desse jornalismo marrom baseado em mentiras foi a “reportagem” publicada em outubro de 2011 na qual, com base na palavra de um desclassificado, fez acusações contra o então ministro do Esporte Orlando Silva (PCdoB-SP). A mentira foi logo desmontada mas a publicação custou o mandato do ministro, que foi substituído no cargo por outro comunista, Aldo Rebelo.

Foram “reportagens” dessa espécie que corroeram, rapidamente, a credibilidade de Veja. A venda em banca da revista passou a cair de forma vertical, enquanto crescia a dificuldade para obter novas assinaturas ou mesmo de renovar as existentes.

Queda nas vendas significa queda no preço da publicidade inserida na revista, e que é sua principal fonte de renda. Um problema puxa o outro; com a falência da confiança na revista (encarada como uma publicação que não reproduz a verdade) um anunciante pensa duas vezes antes de associar-se a um veículo cujo produto (a informação) apodrece a olhos vistos.
A desculpa convencional para a crise é aquela de plantão em nossos dias: a força da internet provoca a queda nas vendas de revistas e jornais.

Este é realmente um fator importante. Mas não é o principal. A Editora Abril é um monopólio cujo produto tem uma natureza específica. Não é a carne da Friboi nem os automóveis da Volkswagen. Seu produto é de natureza muito mais delicada: são ideias, informações. É algo que a Editora Abril não pode exportar mas precisa vender no mercado brasileiro, em idioma português. E cuja venda depende fundamentalmente da confiança que os leitores têm nele.

No passado, afinada com o projeto de Brasil Grande da ditadura militar, as ideias vendidas pela Editora Abril foram aceitas pelos brasileiros – ao menos pela parcela que lia revistas. Bem ou mal, suas publicações estavam alinhadas com um sentimento que prevalecia no país e que fez da Abril a principal editora de revistas do país.

Hoje é visível seu descompasso com o coração dos brasileiros e ele se traduz na queda de vendas letal para qualquer publicação.

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