Ver Bolsonaro cair vai lavar a alma da democracia. Mas é bom já ir se preparando para o caos

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Por Gustavo Conde, Facebook – 

Vou passar o relatório para quem não tem estômago de assistir à Globo (faço o sacrifício de monitorar o inimigo em nome da democracia).

O jornal nacional de ontem parece ter sido editado pelo Jack, o Estripador. Eles estão testando os nervos dos Bolsonaros e de quem volta a assistir a Globo ingenuamente em busca de jornalismo.




Mas não há dúvidas: estamos em uma nova safra de embate semiótico entre Globo e governo.

Por partes, como diria o colega aí de cima:

Sobre Bolsonaro, deram uma matéria de uns 4 minutos com uma pauta econômica e de reformas, como se nada estivesse acontecendo no submundo político do país.

Na sequência, uma mini inserção de 1 minuto, apenas relatando que Bolsonaro “pegou a memória do sistema de interfone”, com uma explicação ‘neutra’ da apresentadora seguida do vídeo de Bolsonaro, dizendo que “pegou” a memória para que “ela não fosse adulterada”.

Atenção ao verbo “pegar”, tão infantil quanto estratégico.

Como interpretar isso?

Bom, em primeiro lugar, a edição foi tão grosseira que é possível afirmar que foi de propósito.

Quatro minutos de um Bolsonaro ainda “presidente” e um minuto de um Bolsonaro “envolvido em escândalo”.

Dois mundos distintos.

Mas o sintoma de que o Escândalo da Casa 58 vai derrubar Bolsonaro é justamente a edição grosseira do jornal: não se fez uma matéria longa e detalhada, mas destacou-se alguma coisa para não perder a ‘suíte’.

A Globo sabe que não está acusando petistas desta vez. Sabe que agora ela lida com bandidos reais, que retaliam com violência e truculência.

Mas, ainda assim, ela demonstra a frieza habitual dos mafiosos: com toda a sua dicção açucarada e asséptica (sic), ela vai se divertir implodindo as bestas milicianas a conta-gotas, quase como se tivesse aprendido uma aula do The Intercept.

Ao fazer uma pauta cínica sobre um Bolsonaro “preocupado com o Brasil”, a Globo forra sua defesa prévia, pois sabe que o apodrecimento acelerado do governo lhe custará o ódio massivo das milícias digitais do clã.

É uma guerra semiótica de grandes proporções e consequências. A impressão de que a emissora recua será recorrente, assim como suas investidas.

Essa edição do jornal ainda mais visto pela população brasileira é histórica porque deixou um recado claro, subliminar a Bolsonaro: se quiser se alinhar a nós, temos a ferramenta editorial da contenção. Se quiser briga, faremos as matérias que incendeiam as redes com a nossa cara de paisagem habitual (sem, inclusive, o ódio que foi direcionado ao PT).

Essa, talvez, seja a informação nova nesse embate entre o jornalismo de cativeiro e um governo miliciano: a repercussão da TV aberta se projeta nas redes sociais e na internet.

A internet se tornou o grande carimbo de validação das teses e reportagens desovadas primariamente nas TVs abertas.

Sem repercussão nas redes, não há repercussão possível.

É nesse território que a Globo pisa sorrateira e delicadamente, para não cometer erros e nem acelerar demais a destruição dos Bolsonaros.

É uma posição até mais confortável para a emissora do Jardim Botânico: ela joga a matéria e as redes, progressistas ou não, fazem o resto.

É dinamite pura, uma vez que o PSL, partido do miliciano-presidente, está completamente submerso em um dos maiores escândalos de desvio de fundo eleitoral da história recente.

É uma nova ordem para uma nova guerra de comunicação no país que mais se utilizou do jornalismo de cabresto para derrubar governos.

É quase um patrimônio cultural [risos].

Bolsonaro é o rei dos animais mais posto da história. Se tivesse uma gota de caráter, pediria renúncia. Mas, como todo bandido, vai cair atirando.

A Globo, por sua vez, se diverte com o rastilho de pólvora que jogou nas redes sociais do país, bastião das milícias bolsonaristas.

É uma nova realidade comunicacional para ela, um novo território a ser explorado que, inclusive, antecipa os movimentos de seu adversário.

Bolsonaro, por sua vez, buscou essa posição de ‘inimigo da Globo’ durante toda a campanha e durante todo o governo. Era um duelo fictício, no entanto, porque Globo e Bolsonaro remavam na mesma direção, de ódio à esquerda.

Ocorre que o bolsonarismo implodiu. O fato de a Globo se reposicionar, mesmo com níveis consideráveis de ambiguidade, é uma consequência da implosão do PSL e do bolsonarismo como um todo: ela, Globo, também disputa o espólio do capitão.

Os cenários se repetem, mas também se renovam. Com Lula preso político, a Globo voltou a ser politicamente poderosa demais. Parlamentares, ministros do STF e procuradores em geral temem a Globo quase tanto quanto temem as milícias bolsonaristas (quando não fazem parte delas).

Com Lula em cena, esse temor era relativo, porque Lula significa, ele mesmo, a soberania conceitual do povo brasileiro. A representação de um Lula viajando pelo país e despachando de seu Instituto é um recado diário de que o Brasil não é propriedade privada de Globo, dos bancos e das elites empresariais.

Por isso, o cenário é perigoso: se Lula conquistar sua liberdade de direito em meio a essa guerra entre Globo e Bolsonaro, as consequências serão imprevisíveis. Ele pode acabar sendo a garantia de paz institucional possível em um quadro de guerra híbrida acrescido aos componentes históricos que caracterizam o nosso jornalismo subdesenvolvido.

Mas ele, Lula, pode acabar sendo também responsabilizado pela explosão social no país.

Convém não esquecer que o Brasil se tornou um barril de pólvora social e que só não explodiu ainda porque há excessos de cuidados por parte da esquerda e um volume imenso de ameaças por parte do governo.

Ver Bolsonaro cair vai lavar a alma da democracia. Mas é bom já ir se preparando para o caos.

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