“Você não faz gemada sem quebrar os ovos”, diz parlamentar de Belterra sobre benefícios e malefícios da agricultura
Por Rubens Valente, José Cícero, compartilhado de a Pública
Com a voz grossa que lembra a de um locutor de rádio, Sérgio Cardoso de Campos (MDB), 67 anos, o Serjão, foi o segundo vereador mais votado nas eleições em 2020 de Belterra, no sudoeste do Pará, e hoje é um dos principais apoiadores da candidatura à reeleição do prefeito Professor Ulisses (MDB). Ele é o principal defensor do agronegócio na região. Os críticos à monocultura do município já o apelidaram de Sorjão.
Embora tenha declarado à Justiça Eleitoral um patrimônio de apenas R$ 4 mil “guardados em mãos”, ele informou que está associado à família Menolli, que toca seis propriedades rurais, no que é considerado o maior grupo sojeiro local. Campos nasceu em Penápolis, no interior de São Paulo, em 1957, foi criado em São Vicente (SP), morou em São Paulo e Cuiabá (MT) e chegou a Belterra em 1999.
Sobre essa trajetória, contudo, Serjão guarda uma história ainda a ser contada. Ele afirmou que foi policial militar de São Paulo nos anos 1970, da “Rota”, como “atirador de elite”, e que chegou a trabalhar, por um certo período, em uma equipe de 13 policiais civis e militares sob o comando do delegado Sérgio Paranhos Fleury (1933-1979), um dos principais acusados de tortura, assassinatos e desaparecimentos forçados promovidos pela máquina da repressão durante a ditadura militar.
O vereador disse que, por volta de 1976, trabalhou com Fleury por 36 dias em Campo Grande, então Mato Grosso, hoje a capital de Mato Grosso do Sul, na investigação sobre o sequestro de um filho adotivo do fazendeiro e futuro senador Lúdio Coelho (1922-2011). O caso Ludinho, como ficou conhecido, terminou com o assassinato do herdeiro pelo grupo de sequestradores que, descobriu-se depois, era encabeçado pelo policial militar responsável pela própria segurança particular de Lúdio e de seu filho.
Por que isso importa?
- A Agência Pública está percorrendo a BR-163, entre os estados do Mato Grosso e Pará, e o município de Belterrra é um dos locais dessa rota onde nossa equipe investiga como o tema das mudanças climáticas e meio ambiente vem sendo discutido nas eleições municipais. A região é extremamente marcada por fogo, conflitos e desmatamento, com cidades que registram grande adesão ao bolsonarismo.
Serjão, contudo, disse que prefere não falar sobre o caso policial que é considerado um dos mais marcantes da história de Mato Grosso do Sul. Nem sobre a sua relação ou suas experiências com a equipe de Fleury. Disse apenas que, após a morte do delegado, o grupo dos 13 policiais se dissolveu, “cada um tomou seu rumo”.
Campos: São coisas que a gente tem na vida da gente, e que hoje eu mudei radicalmente, né? São passados que a gente fez, coisas que a gente fez, e aí você muda. Porque você muda radicalmente a vida, né?
Pública: Mas tem coisas das quais você se arrepende?
Campos: Não. Não, porque como é que eu vou me arrepender de algo que eu fiz? Tá feito! […] Eu prefiro, sobre esse caso aí [Ludinho], eu prefiro deixar enterrado com as lembranças.
Campos disse que, após sair da polícia, foi trabalhar como “segurança do governador de Mato Grosso”. Lá conheceu, em Nova Mutum (MT), a família Menolli, com a qual se uniria e viria a trabalhar com o agronegócio em Belterra no final dos anos 1990.
“Quando nós chegamos aqui, em 1999, nós tivemos muita dificuldade de abrir as terras. Porque não tinha licenciamento, não tinha nada. Era algo novo aqui na região, né? E eu comecei a abrir tudo. E aí eu levava as multas, eu levava tudo. Não tinha nada no meu nome. Mas eu que abria tudo. Era junto com o Ibama, aquela coisa toda. Na época, era o Ibama. […] Hoje está tudo legalizado, tudo dentro da lei. Hoje não tem processo, não tem mais nada. Não tem multa, não tem nada.”
Na época, o Ibama era o responsável pela emissão das autorizações de plantio. Hoje esse trabalho está nas mãos da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do governo estadual, comandado pelo mesmo MDB do vereador.
Campos reconhece que, neste ano, Belterra está vivendo a pior seca desde que ele chegou ao município, há 25 anos.
“Esse ano nós perdemos 5 mil hectares de milho. Por quê? A seca. Nós esperávamos colher 400 mil sacos, mas colhemos 100 [mil]. E isso, em termos de prejuízo financeiro, é difícil calcular. […] Foi a pior seca que vivi desde 1999.”
Campos, porém, não associa a seca recorde a uma emergência climática, cuja própria existência, aliás, ele também nega – as mudanças climáticas como resultado da ação humana são confirmadas por estudos de centenas de cientistas ao redor do planeta. O vereador atribui tudo “ao fenômeno do El Niño”.
“Eu vou falar para você por que eu não acredito [na emergência climática]. O movimento climático global é normal. Essa história de que a geleira está derretendo e que por isso está aumentando o nível do mar. Eu tenho ouvido isso há quantos anos? Em São Vicente é praticamente zero, a questão [do aumento] do nível do mar. Quantos centímetros subiu a água do mar? Nunca. Ela sobe, ela desce. A maré é volátil. [… Nós somos crucificados na Amazônia porque estamos desmatando e ‘vira um deserto’. Aonde vira um deserto no Amazônia? Aponta um deserto pra mim na Amazônia, um lugar. Não existe.”
Campos rechaça que seu mandato faça a “defesa” do agronegócio. Segundo ele, seu papel na verdade é “abrir as portas da Semas, do Ibama”. “A política te dá essa chance. Com o governo do estado, com o governo federal.”
O vereador exalta os benefícios trazidos pela agricultura em Belterra e região. “A agricultura é uma das que mais emprega aqui. Graças a Deus que a agricultura veio pra cá. Eu, por exemplo, cheguei em 1999 aqui. A gente planta aí 6 mil hectares, basicamente soja e milho. Temos 70 funcionários.”
E todos os problemas acarretados pela expansão da monocultura? “Agricultura, onde ela entra, ela traz muita coisa [boa]. Traz benefícios. Você não faz gemada sem quebrar os ovos. Você tem que quebrar ovos. Agora, tem que ter uma conciliação. E aqui é bem conciliado.”
Sobre o uso de agrotóxicos, Campos diz que os produtores seguem “todas as leis”, mas que também pararam de aplicar um tipo de agrotóxico que “vai embora, vai matar pé de mamão, aqui paramos”. “Então nós estamos usando aqui outros produtos mais modernos, que são menos agressivos. E nós temos outros produtos hoje que é para licenciar, que não licenciaram, que são menos agressivos ainda. Mas nós temos que ter licenciamento. Nós não usamos produtos que vêm do Paraguai, não usamos nada disso.”
Ele coloca em dúvida as denúncias, corroboradas por várias testemunhas, de que agrotóxicos atingiram, em pelo menos três vezes, alunos e funcionários da escola municipal Vitalina Motta. Um fazendeiro da região até já foi multado em R$ 1 milhão pelo Ibama.
Embora refute as críticas, Campos concorda que o diálogo deve prevalecer.
“Eu acho que o bom diálogo é que resolve mais. Já passou a época da brabeza. Passou, nós vivemos em tempos modernos. Por exemplo, em São Paulo, quando você fazia alguma blitz, por exemplo, não existia um celular, não existia nada. As pessoas aprontavam. Hoje você não pode levantar a mão pra ninguém porque tem um celular filmando. O tempo mudou. Então as pessoas têm que ter um cuidado tremendo no ser humano. O próprio ser humano tem que ter cuidado. E a gente tem pessoas que ainda acham que pode tudo, e não pode.”
Edição: Thiago Domenici | Fotógrafo: José Cícero