Por Celso Sabadin, cineasta e crítico, Planeta Tela
Uma sensação de loucura e estranhamento. Medos silenciosos que parecem eternos. Um perder de chão: nada se conecta a nada, ao mesmo tempo em que as conexões humanas também se apresentam frias. Um eterno ar de desconfiança que pesa no ar. O que é dito hoje não terá importância amanhã. Pessoas que surgem diante de nós devem ser, antes de mais nada, evitadas. O sem sentido impera.
Sensações como as descritas acima eram – ou são – corriqueiras em sociedades oprimidas por ditaduras. E elas estão todas estampadas magistralmente em “Vermelho Sol”. O diretor e roteirista argentino Benjamín Naishtat conseguiu registrar em filme a imobilidade causada pelo temor, o irreal, a vida em constante sufoco maquiada pela tentativa de uma normalidade forçada moldada pela hipocrisia.
“Vermelho Sol” abre com uma sequência magistral. Num restaurante lotado, um homem sentado à mesa aguarda a chegada da esposa, atrasada. Outro homem, sozinho, busca um lugar para se sentar, sem sucesso. Prepotente, o freguês solitário começa a discutir com o homem sentado, argumentando que ele deveria sair de sua mesa, pois não está consumindo. A discussão se torna cada vez mais agressiva. O garçom não sabe o que fazer. Os demais fregueses do restaurante se limitam a olhar, calados. O homem sentado toma uma atitude inesperada que desencadeando uma situação das mais inusitadas que permeará toda a bizarra trama do filme.
A partir deste início arrebatador, “Vermelho Sol” se desenvolve em ritmo de pesadelo, mesclando narrativas fragmentadas, estranhamentos e comportamentos improváveis para criar em grande painel sombrio de pesos psicossociais que a violência dos regimes de exceção tão bem sabem disseminar.
A última fala do filme (não é spoiler) é de uma hipocrisia exemplar, totalmente sintonizada com o atual momento mundial: “Não vamos deixar que a política interfira em nossas vidas”. Como se isso fosse minimamente possível.
Ambientado em 1975, o longa potencializa sua credibilidade ao utilizar não apenas cores como também movimentos de câmera da época. Estranha-se somente a inclusão da palavra “Sol” no título brasileiro, quando o original – Rojo – significa apenas “Vermelho”. Seria fruto do medo causado pelo atual regime truculento brasileiro? Fica a dúvida.
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