Por Eduardo Maretti, compartilhado de RBA –
Para jurista, ao vetar obrigatoriedade de uso de máscaras, Bolsonaro mais uma vez viola o princípio constitucional fundador da razão de ser do Estado: o direto à vida e à saúde das pessoas
São Paulo – O veto do presidente Jair Bolsonaro à obrigatoriedade do uso de máscaras em estabelecimentos comerciais, industriais, templos religiosos, instituições de ensino, entre outros, em plena pandemia de coronavírus, é mais uma atitude do mandatário que se enquadra claramente como crime de responsabilidade. A opinião é do jurista e professor de Direito Constitucional Pedro Serrano.
“Em tempos de legalidade extraordinária, como estamos vivendo, o chefe do Executivo só deve agir por dever: não tem liberdade jurídica nem politica de agir com a vontade, mas de acordo com o que o consenso científico recomenda. Essa ilicitude de Bolsonaro caracteriza crime de responsabilidade. Ele está pondo vidas em risco”, diz.
Bolsonaro mais uma vez viola um princípio constitucional universal e fundador da própria razão de ser do Estado: o direito à vida e à saúde das pessoas. “É dever do Estado garantir a vida e a saúde da população. A primeira razão de existir Estado é garantir a vida e a integridade das pessoas. Num momento de pandemia, garantir a saúde e a vida é seguir as recomendações da ciência.”
“Em situações como a atual, não é um direito do administrador público escolher ou não, ele tem que seguir a ciência, ele é obrigado a seguir o consenso cientifico”, defende Serrano. Em outras palavras, se a ciência recomenda que em ambientes coletivos fechados é obrigatório o uso de máscara, o chefe de Estado não pode contrariar esse consenso.
Bolsonaro “atuante”
Para Serrano, a análise não vale apenas para a medida adotada pelo presidente nesta sexta-feira (3). “Serve para o conjunto da obra. Tanto a conduta dele na pandemia, como um todo, quanto a medida de hoje. Cada dia em que ele fica no poder, milhares de pessoas morrem por inação do Estado. É mais do que não agir. Ele atua, discursando. E também em política econômica, impedindo que a população fique em casa para preservar a vida e a saúde.”
‘É um horror, estou chocada’, diz infectologista sobre veto de Bolsonaro a obrigatoriedade douso de máscaras
O presidente da República tem obrigação de estabelecer restrições ao direito de liberdade, como por exemplo impor a quarentena, não por vontade política dele próprio, “mas como forma de garantir o direito à vida e a saúde, que precede o direito à liberdade de ir e vir, diz Serrano. “O que adianta a liberdade de ir e vir se eu estou morto?”
Porém, há mais, diz o jurista. O presidente da República tem obrigação não apenas de determinar legalmente que as pessoas fiquem em casa e usem máscara, mas também de proporcionar condição material para isso. “Não adianta você proibir as pessoas de sair de casa se não proporciona condição material para elas ficarem em casa.”
“Genocida”, dizem parlamentares
A derrubada da iniciativa do presidente do Brasil é uma incumbência inicial do Congresso Nacional, que tem o prazo de 30 dias para apreciar o veto e derrubá-lo ou não.
Devido à gravidade do veto, uma iniciativa na Justiça, por parte do Ministério Público, poderia antecipar uma decisão em nome da vida. “Razão jurídica para ir ao Supremo, sem dúvida há”, diz Serrano.
Para o deputado Ivan Valente (Psol-SP), a atitude de Bolsonaro é “canalha e genocida”. “Bolsonaro joga com a vida de todos, inclusive de seus apoiadores”, escreveu, no Twitter. “Coisa de miliciano que tem zero apreço pela vida. Vai responder por crime contra a humanidade!”, disse.
Segundo a Agência Senado, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou que o veto é mais um “e daí” do “genocida confesso que é Bolsonaro”. “Vamos lutar pela derrubada desse veto absurdo”, declarou.
Ainda de acordo com a agência, Humberto Costa (PT-PE) afirmou que o veto de Bolsonaro à obrigatoriedade do uso de máscara mostra que, na luta contra a covid-19, o presidente está “sempre ao lado do vírus”.
A infectologista Raquel Stucchi, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que a medida do chefe de Estado incentiva “um descontrole maior da transmissão, de casos e de óbitos no Brasil”. Ela se disse chocada com o veto presidencial.
Edição: Fábio M. Michel