O presidente Lula (PT) vetou parcialmente o Projeto de Lei (PL) 2903 que estabelecia o marco temporal das terras indígenas aprovado no Congresso no mês de setembro.
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Foto: Ricardo Stuckert
Os vetos do presidente acompanharam o entendimento de inconstitucionalidade do marco temporal de acordo com a interpretação do Supremo Tribunal Federal.
Outras ameaças como cultivo de espécies transgênicas em Terras Indígenas (TIs), a construção de grandes obras de infraestrutura, como hidrelétricas e rodovias, sem consulta e a flexibilização das políticas de proteção aos povos indígenas isolados também foram retiradas do projeto. Os vetos agora serão analisados pelo Congresso Nacional, em uma sessão conjunta entre Deputados e Senadores, com data a ser definida.
Lula tirou todas as menções à temporalidade e também o artigo que deliberava sobre indenização, que era defendido pelo Legislativo. Segundo o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) foram mantidos na lei os pontos “que têm coerência com a Constituição”.
“Tudo que significava ataque aos povos indígenas foi vetado pelo presidente da República. Tudo aquilo que confrontava a Constituição foi vetado pelo presidente”, afirmou Alexandre Padilha, ministro de Relações Institucionais.
A decisão de Lula está em consonância com a decisão tomada no final de setembro pela Suprema Corte. De acordo com o STF, a União deverá indenizar apenas ocupantes de boa-fé que perderem a terra devido a uma demarcação no final de outubro. No mesmo dia, o Senado rebateu e não só aprovou o marco temporal como instituiu o pagamento.
“O presidente Lula atendeu aquilo que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em respeito ao que foi decidido pelo Judiciário. […] E aquilo que ele pode preservar de contribuição do Congresso Federal para a demarcação ele preservou”, afirmou o advogado geral da União, Jorge Messias, AGU
Lula já havia criticado diversas vezes o marco temporal, especialmente, durante a campanha no ano passado, mas com o lobby de setor do agronegócio e forte pressão do Congresso, o projeto foi aprovado. A publicação no DOU (Diário Oficial da União) e deve sair ainda hoje, segundo o governo.
Após reunião com ministros, Sônia Guajajara (Povos Indígenas) e o AGU (Advogado-Geral da União) Jorge Messias, no Alvorada, Lula sancionou o veto. Ele consultou todas as pastas sobre o tema durante a semana e prevaleceu o entendimento do governo de que sancionar o projeto em partes diminui as chances de o Congresso derrubar o veto. Porém essa possibilidade ainda existe.
“O Ministério dos Povos Indígenas inicialmente recomendou o veto total. Posteriormente, fizemos uma análise criteriosa e conseguimos, ali, olhar os artigos que já estão garantidos na Constituição Federal, portanto poderiam ficar ali”, considerou Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas.
Apoiado pela bancada ruralista, a tese do marco temporal passou no Senado em tramitação acelerada. Após aprovar o texto pela manhã na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), a Casa aprovou regime de urgência para que a proposta fosse a plenário no mesmo dia. Momentos depois, os senadores aprovaram o PL.
Para evitar que o projeto tivesse que voltar à Câmara, os senadores aprovaram o texto sem nenhuma alteração. Os parlamentares rejeitaram dois pedidos de destaque, propostos por governistas, que amenizavam o impacto da proposta para os indígenas.
VETOS
Lula vetou no Artigo 4º da Seção 2, o texto que trata “das terras indígenas tradicionalmente ocupadas”.
“A ausência da comunidade indígena em 5 de outubro de 1988 na área pretendida descaracteriza o seu enquadramento no inciso I do caput deste artigo, salvo o caso de renitente esbulho devidamente comprovado”, dizia o Inciso 2º do Artigo 4º da Seção 2.
Desse artigo, que tratava basicamente do marco temporal, só ficaram três parágrafos, que instituíam dispositivos que já estão previstos na Constituição, como manter o procedimento demarcatório “público e seus atos decisórios serão amplamente divulgados”.
ARTIGOS MANTIDOS
Lula manteve um o artigo 17, que aplica ao conjunto das terras indígenas “o mesmo regime jurídico de uso e gozo adotado para terras indígenas tradicionalmente ocupadas”.
O Artigo 26, que tratava das atividades econômicas em terras indígenas, foi mantido para que ela siga permitida “desde que pela própria comunidade indígena, admitidas a cooperação e a contratação de terceiros não indígenas”. Mas, Lula vetou a permissão da “celebração de contratos que visem à cooperação entre indígenas e não indígenas para a realização de atividades econômicas”.
O marco temporal prevê que indígenas só possam reivindicar áreas que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Porém, segundo a dados da Funai, esse entendimento pode inviabilizar o registro de até 287 territórios que estão em processo de regularização.
A lei aprovada no Congresso é ainda mais agressiva. Ela também pode anular demarcações de terras indígenas já consolidadas, proíbe a ampliação das já demarcadas e prevê indenização a produtores rurais desapropriados.
LUTA AGORA É PELA MANUTENÇÃO DOS VETOS
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) celebrou os vetos estabelecidos pelo presidente Lula. A entidade reafirmou que “a cobrança do movimento indígena era para Lula vetar totalmente o PL” e agora alerta “sobre a necessidade dos vetos parciais serem mantidos pelos parlamentares”.
“É necessário seguirmos mobilizados, pois a luta ainda não acabou. A ala ruralista do Congresso Nacional ainda pode derrubar todos esses vetos e aprovar essa lei que legitima crimes contra os povos indígenas”, destaca a entidade em nota.