Vídeos contrariam EUA e mostram Israel barrando ajuda humanitária em Gaza

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Grupos de colonos israelenses estão atacando e saqueando caminhões lotados de alimentos destinados a palestinos famintos.

Por Prem Thakker, compartilhado de Intercept




na foto: Caminhões palestinos buscam mercadoria em Israel, na fronteira com a faixa de Gaza. (Foto: Daniela Kresch/Folhapress)

NA SEGUNDA-FEIRA, uma multidão de colonos israelenses atacou caminhões de ajuda humanitária que levavam alimentos para Gaza. Os extremistas saquearam a carga, destruindo e esmagando suprimentos desesperadamente necessários após mais de um semestre do ataque de Israel ao enclave sitiado. A polícia e as forças armadas israelenses se acusaram mutuamente, cada uma dizendo que a outra deveria ter evitado o que aconteceu, mas uma autoridade de segurança disse ao jornal Haaretz que os baderneiros teriam recebido de oficiais “informações privilegiadas sobre a movimentação dos caminhões”.

O incidente é emblemático de um padrão que vem se repetindo há meses. Israelenses, sejam extremistas justiceiros ou autoridades públicas, bloqueiam ou atacam diretamente a ajuda humanitária; os Estados Unidos oferecem uma resposta condescendente, ou fazem ainda mais favores a Israel; a violência continua ou até aumenta. Existem fartas provas de que o governo de Israel está fazendo vista grossa enquanto esses ataques e obstruções à ajuda humanitária acontecem. Nada disso é segredo, boa parte foi registrada em câmera e difundida pelas redes sociais. 

Ainda assim, o Departamento de Estado dos EUA publicou um relatório muito aguardado, onde avaliou se Israel estaria cumprindo as normas humanitárias internacionais enquanto usava armas americanas, e concluiu na semana passada que o país não estaria bloqueando a ajuda humanitária. O Departamento de Estado declarou que tinha “grande preocupação” com a “ação e inação” do governo israelense que fizeram com que a chegada de ajuda a Gaza “permaneça insuficiente”, mas concluiu que não havia provas suficientes para justificar a interrupção da assistência aos militares de Israel. 

Allison McManus, diretora administrativa do departamento de segurança nacional e políticas internacionais da organização de pesquisa e ativismo Center for American Progress, diz que as conclusões do Departamento de Estado são enfraquecidas pelo “fato muito óbvio” dos ataques indiscriminados contra trabalhadores humanitários e civis em Gaza. 

‘Isso não acontece em um contexto em que o exército invasor está cumprindo o direito internacional.’

“Isso é algo que todos podem ver com os próprios olhos. O assassinato de trabalhadores humanitários, os ataques a hospitais, a completa destruição do sistema de saúde, o enorme número de vítimas civis, muitas delas, mulheres e crianças”, diz McManus. “Isso não acontece em um contexto em que o exército invasor está cumprindo o direito internacional.”

 O tumulto de segunda-feira foi apenas um entre muitos ataques ao setor humanitário nos dias seguintes à publicação das conclusões pelo Departamento de Estado. Naquele mesmo dia, forças israelenses atacaram um veículo das Nações Unidas claramente identificado em Rafah, matando no processo um funcionário da equipe, de nacionalidade indiana.  A escolha do carro como alvo trouxe receios envolvendo possíveis esforços de evacuação para mais de 20 médicos e profissionais de saúde americanos presos em Gaza. A ocorrência desse assassinato não impediu que o presidente dos EUA, Joe Biden, tomasse medidas na terça-feira para enviar mais 1 bilhão de dólares (5 bilhões de reais) em armas para Israel.

Na quarta-feira, na Cisjordânia ocupada, colonos atacaram um motorista de caminhão palestino, porque acharam que ele estivesse dirigindo um caminhão de ajuda humanitária com destino a Gaza. Imagens mostram a vítima se contorcendo de dor enquanto oficiais das forças de defesa de Israel (FDI) percorrem o local. Policiais israelenses não prenderam nenhum suspeito, segundo o Haaretz.

Os colonos esvaziaram os pneus de dois caminhões, que estavam fazendo rotas comerciais, não entregas humanitárias, e colocaram fogo nos veículos.

Um vídeo publicado no Twitter por Alon-Lee Green, co-diretor da organização pela paz Standing Together, mostrava pessoas subindo em um caminhão saqueado e dançando.

O vídeo mostra várias pessoas tirando selfies e fotos enquanto escalavam a pilha de sacolas de ajuda descartadas, e os soldados israelenses apenas observando.

Mais de 250 trabalhadores humanitários foram mortos em Gaza desde o ataque do Hamas em 7 de outubro. A Human Rights Watch identificou pelo menos oito casos em que forças israelenses atacaram comboios e instalações de ajuda humanitária. Alguns desses incidentes aconteceram embora os grupos humanitários tenham informado suas coordenadas ao governo israelense para garantir a proteção. 

Entre os incidentes discutidos no relatório do Departamento de Estado na semana passada está o ataque israelense contra um comboio da Cozinha Central Mundial, que matou sete trabalhadores humanitários no mês passado. O Departamento de Estado declarou que não poderia chegar a “conclusões definitivas” sobre o uso de armas fornecidas pelos EUA durante esse ataque.

O Departamento de Estado admitiu que os ataques “criaram um ambiente excepcionalmente difícil para distribuir e entregar ajuda”, mas não descreveu esses eventos como uma política sistemática de Israel.

‘A frequência e a natureza generalizada desses ataques sugerem que Israel esteja sistematicamente perseguindo a ajuda humanitária.’

Um relatório recente do grupo de pesquisa Forensic Architecture, com sede no Reino Unido, encontrou pelo menos 80 ataques israelenses distintos contra a ajuda em Gaza, apenas desde janeiro. “A frequência e a natureza generalizada desses ataques sugerem que Israel esteja sistematicamente perseguindo a ajuda humanitária”, escreveu o grupo.

Em um comunicado ao Intercept dos EUA, um porta-voz da FDI disse que os militares tomam “todas as medidas operacionalmente viáveis para mitigar os danos aos civis, incluindo comboios e trabalhadores humanitários. A FDI nunca atacou deliberadamente, nem atacará, comboios e trabalhadores de ajuda humanitária.”

O porta-voz continuou: “A FDI faz grandes esforços para permitir a entrega segura de ajuda humanitária, e vem trabalhando em estreita colaboração com vários grupos humanitários para coordenar e realizar seu esforços vitais de fornecer alimentos e ajuda humanitária ao povo de Gaza. Dadas as contínuas trocas de hostilidades, permanecer em uma zona de combate ativa tem riscos inerentes. A FDI continuará a combater as ameaças, ao mesmo tempo em que continua a mitigar os danos aos civis.”

A análise do Departamento de Estado da semana passada concluiu que Israel “provavelmente” infringiu leis usando armas fornecida pelos EUA. O reconhecimento de Biden de que armas americanas mataram civis palestinos chama a atenção para um memorando publicado no ano passado, que dizia que os EUA não autorizariam nenhuma transferência de armamento em que haja risco de “facilitar ou contribuir de alguma outra forma” para violações aos direitos humanos ou ao direito internacional. 

Vários vídeos em sequência vêm mostrando manifestantes israelenses bloqueando ou até destruindo ajuda humanitária destinada a Gaza, às vezes na presença da polícia ou de autoridades militares.

Essas manifestações se intensificaram depois que a Corte Internacional de Justiça decidiu que o governo israelense está possivelmente cometendo genocídio, e determinou que a distribuição de ajuda humanitária fosse facilitada e possíveis novos atos de genocídio fossem evitados. Os manifestantes responderam tentando bloquear a ajuda por dias a fio, com pouca resistência das autoridades israelenses. 

Em um vídeo datado de 9 de fevereiro, na passagem de fronteira de Nitzana, que chega ao Egito, manifestantes israelenses impedem caminhões de ajuda humanitária de entrarem em Gaza. “Meus amigos, fechamos a passagem de fronteira hoje”, exclama um manifestante enquanto os oficiais fecham os portões, levando a uivos da multidão. “Com todo o respeito, meus amigos, o portão está fechado”, continua o manifestante por um megafone, “alguém vai dormir com fome esta noite”.

Um grupo de manifestantes defendeu a ação, e disse ao jornal Times of Israel que “as centenas de caminhões de ajuda e suprimento para a organização terrorista Hamas não entrarão por aqui hoje”. Os integrantes do grupo acrescentaram que estavam “orgulhosos e comovidos”.

A atitude permissiva do estado diante dessas manifestações contrasta fortemente com a forma como trata os israelenses que procuram apoiar o povo de Gaza. Protestos contra o governo em Israel, alguns deles incluindo famílias das vítimas que o Hamas mantém como reféns, receberam uma resposta feroz. Standing Together, a organização pela paz, tentou entregar ajuda humanitária em Gaza; em uma das tentativas, em março, os ativistas foram parados pela polícia.

Uma semana depois, israelenses tentando barrar ajuda foram vistos em uma reportagem em vídeo confraternizando com as autoridades; um deles dizia a um jornalista: “Podem matá-los, eu não me importo”.

Outro manifestante disse que a polícia deu a eles pirulitos e melancias e ficou assistindo enquanto eles impediam que a ajuda atravessasse a fronteira: “O policial, o comandante-chefe, veio até nós e disse ‘OK, vocês vieram e bloquearam, não queremos lutar’. E ele nos disse, ‘vou simplesmente trancar o portão. Vocês não precisam ficar no sol’.”

As iniciativas para bloquear as entregas de ajuda sob as vistas das autoridades israelenses continuaram este mês.

Um vídeo do começo de maio, publicado no Twitter pela Middle East Eye, mostra manifestantes dançando e gritando em um grande círculo, bloqueando dezenas de caminhões com destino a Gaza. 

Enquanto o vídeo mostra a multidão de pessoas cantando e agitando bandeiras triunfalmente, os agentes não interferem. 

Em seu relatório na semana passada, o Departamento de Estado identificou brevemente as manifestações que impediram as travessias de ajuda humanitária em janeiro e fevereiro como fatores que também criam um “ambiente difícil” para a chegada de ajuda.

Em Jerusalém, uma multidão ateou fogo à sede da Agência da ONU de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA), na semana passada

Juliette Touma, diretora de comunicações da UNRWA, diz que o ataque não foi espontâneo. Houve diversas tentativas de incendiar o local, conta, antecedidas por semanas de assédio pelos extremistas. Multidões foram até os portões do complexo para intimidar os funcionários da UNRWA, atirar pedras, e até ameaçá-los com armas, acrescenta.

O próprio vice-prefeito de Jerusalém, Aryeh King, também se juntou aos ataques. Quando a UNRWA suspendeu temporariamente as operações na sede na semana passada, King disse que era “uma honra ser responsável” por isso.

Além das dezenas de ataques, o suporte básico à ajuda tem sido precário. Touma observa que, até 7 de outubro, Gaza dependia de 500 caminhões de ajuda por dia, em razão dos 16 anos de bloqueio por Israel. Nas duas primeiras semanas após o ataque, acrescenta, Gaza esteve sob um “cerco hermético”, e a ajuda ficou dias sem chegar. Mesmo quando as entregas foram retomadas, o ritmo diminuiu substancialmente. Com base nos dados da Coordenação de Atividades do Governo nos Território, um braço da FDI, apenas 127 caminhões entraram em Gaza por dia até 15 de maio.

Isso se deve, em parte, às barreiras estruturais à entrada de ajuda que o governo estabeleceu. O governo israelense proibiu a UNRWA de entregar ajuda humanitária à parte norte de Gaza, uma área que enfrenta novos avisos de desalojamento esta semana, ao sofrer novamente os ataques israelenses.

A entrega de ajuda vem sendo atrasada há muito tempo na passagem de Rafah, na fronteira com o Egito, na parte mais ao sul de Gaza. Houve um certo momento, em janeiro, em que centenas de caminhões de ajuda humanitária ficaram na fila por semanas, aguardando permissão para entrar em Gaza. 

Ao visitarem pessoalmente, os senadores do Partido Democrata americano, Chris Van Hollen e Jeff Merkley, responsabilizaram um processo complicado que incluía rejeições arbitrárias a equipamentos humanitários vitais. Em maio, Israel tomou o controle e fechou a passagem de fronteira ao começar uma invasão por terra em Rafah, onde estão refugiados 1,4 milhão de palestinos desalojados.

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