Por Neudicléia de Oliveira e Pedro Carrano, publicado em Brasil de Fato –
A intenção das organizações é seguir denunciando a prisão e manter essa praça pública de solidariedade e resistência
No dia 8 de abril completam-se dois meses de uma resistência única na capital paranaense. Hoje, a Vigília Lula Livre se configura num espaço fundamental de denúncia da prisão do ex-presidente Lula, bem como dos ataques contra a democracia e do desgoverno golpista.
No dia 7 de abril, Lula se apresentou à Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, no bairro Santa Cândida. No momento da chegada do helicóptero que trazia o ex-presidente, uma pequena multidão se aglomerava nos portões da PF, de maneira pacífica, porém recebeu bombas lançadas pela própria corporação, numa ação marcante e arbitrária. Enquanto isso, o grupo favorável à prisão de Lula disparava livremente rojões na direção do helicóptero. Na mesma madrugada, a resistência se manteve na região e formou o Acampamento (agora Vigília) Lula Livre.
Desde então, a vigília é um espaço permanente de recepção de caravanas, com atividades de peso, mantida pela militância aguerrida da Frente Brasil Popular. Partidos, organizações, sindicatos e movimentos populares que a compõe são a coluna que organiza atividades com a presença de grupos religiosos, artistas, parlamentares e personalidades do mundo político. Leonardo Boff, Frei Betto, Manuela D´ávila, João Pedro Stédile, Benedita da Silva, Lucélia Santos, Danny Glover, Adolfo Pérez Esquivel, Clara Ant, Celso Amorim, Guilherme Boulos, Sônia Guajajara, Carol Proner foram algumas figuras de destaque que vieram enviar sua mensagem ao ex-presidente e compartilhar com a militância ali presente.
Plenária permanente
Com o passar dos dias, a perda do caráter de atividade massiva, própria de um período no qual a esquerda se vê em defensiva estratégica, e a duração injusta da prisão de Lula, apenas reforçou a necessidade da organização das caravanas a cada semana. Com a manutenção de cerca de 300 pessoas semanalmente no espaço a Vigília Lula Livre é, então, uma espécie de plenária de formação e envolvimento da militância. Contabiliza-se que ao menos 40 mil pessoas já circularam no espaço – marcado por organização, solidariedade e conteúdo político.
A Vigília está localizada numa regional de perfil de classe média e alta curitibana, que foi a própria base social que, em 2015, apoiou os atos pelo golpe contra Dilma Rousseff e sustenta o mito em torno do juiz Sérgio Moro.
Na metade de abril, respeitando os acordos com as autoridades e a relação com os moradores no entorno da Superintendência da PF, houve a separação entre a vigília e o local de dormitório, que deixou de ser no mesmo lugar. Com isso, houve a formação do acampamento Marisa Letícia, moradias solidárias receberam integrantes dos movimentos populares, coletivos sindicais e de comunicação alugaram casas na região e a coordenação do espaço disponibilizou também, para melhor segurança, uma antiga escola nas imediações, frente ao frio que marca a capital paranaense nessa época do ano. Em comum, a Vigília Lula Livre segue sendo o polo de encontro e organização permanente.
Um espaço que incomoda muita gente
Marcado por ações medíocres, o esforço da prefeitura de Rafael Greca (PMN) é pressionar, tentar desfazer os acordos feitos com a Secretaria de Segurança Pública do estado, pedindo a transferência de Lula e mesmo forçando uma situação para o despejo forçado da estrutura da vigília.
A postura de Greca ecoa em pequenos grupos ou indivíduos de extrema-direita, incentivados pela assessoria do deputado federal Fernando Francischini, que buscam tensionar diariamente os manifestantes. Também aconteceram ataques a tiro contra o acampamento Marisa Letícia, ferindo Jefferson Lima de Menezes, presidente do Sindicato dos Motoboys de Santo André (não foi apenas um tiro de “raspão”, como disseram alguns noticiários), além da destruição do equipamento de som, promovida pelo delegado da Polícia Federal, Gastão Schefer Netto, sob o falso argumento de que a vigília “faria barulho de madrugada”, sendo que ninguém dorme no local. Nada disso foi suficiente para demover a permanência da militância em defesa de Lula.
A atual decisão do desembargador do Tribunal de Justiça, Fernando Paulino da Silva Wolff Filho, por um lado reconhece esse direito à manifestação e a legitimidade do movimento, retirando a decisão de multa contra o PT e a CUT, o que é positivo. Porém, a proposição e os termos de mediação da sentença, que aponta o uso do espaço apenas a cada 15 dias, não satisfaz os movimentos que constroem a vigília, que exigem a permanência diária das atividades.
Todo esse incômodo se deve ao fato de que a Vigília se tornou um problema político. Afinal, Lula escuta e se revigora com as mensagens de bom dia, boa tarde e boa noite lançadas por nós. Mais que isso, a Vigília é o primeiro espaço a receber as mensagens enviadas pelo ex-presidente, geralmente de crítica ao atual projeto do governo golpista e de anúncio da sua candidatura.
Um dos aspectos que merece ser divulgado e que avançou talvez anos no espaço de semanas é o tema da comunicação. Em poucos dias, formou-se uma estrutura de comunicação colaborativa que permite a cobertura em tempo integral, via diferentes páginas das organizações. Consiste ainda na programação diária da Rede Lula Livre, das 9h45 às 10h, e no programa Democracia em Rede, às 14h, transmitido para mais de 30 páginas, resultado da unidade do campo da Frente Brasil Popular e uma série de veículos da mídia alternativa. Essa experiência remonta ao imaginário de rádios que surgem em momentos da luta na História latino-americana, caso da Rádio Venceremos, de El Salvador, sempre lembrando que veículos de mídia surgem no calor da luta.
A Vigília Lula Livre resiste e necessita do seu apoio. A intenção das organizações é seguir denunciando a prisão e manter essa praça pública de solidariedade, resistência e voz firme contra as elites e judiciário, responsáveis pelo crime de manter preso um ex-presidente inocente.
Edição: Laís Melo